Eu precisava me concentrar na minha própria missão, mas era impossível não pensar na Carol.
-Ao menos tente, por favor.
Ele disse enquanto caminhávamos pela cidade.
-Achei que você só usasse magia negra quando necessário.
Eu esperava que ele ficasse um pouco nervoso, mas na verdade ele parecia preocupado.
-Saber o que te deixa tão fora de si quando estamos para enfrentar o teste em dupla é algo bastante importante.
Ele realmente não parecia muito confortável com a situação.
-Vou me concentrar, relaxa. - respondi sabendo que não era tão simples quanto minhas palavras tentaram demonstrar.
-Se quiser ajuda...
Ele pareceu acanhado ao dizer isso, como se não tivesse certeza do que estava propondo.
-E como você poderia me ajudar?
Ele suspirou.
-Eu me deveria sentir ofendido. Magos negros podem fazer um pouco mais do que só ler sua mente, acredite. Não que seja fácil, mas quando a outra pessoa permite não é muito complicado.
Pensei nisso por um momento, realmente ajudaria, mas...
-Tudo bem, mas você consegue me fazer voltar ao normal depois?
A reação dele foi como se eu tivesse o ofendido de algo muito ruim mesmo.
-Sim! – ele esbravejou. Sua mão tremia um pouco e seu olhar era perfurante, o que me deixou com um pouco de medo. Ele fechou os olhos, respirou fundo e continuou. - Seria horrível te deixar focado em batalhas para sempre, não sou da Penumbra para fazer tal coisa... Além disso, o efeito vai acabar por si só.
Penumbra era uma terceira nação que não considerávamos na escolha das nações por dois motivos. Um porque o povo da Penumbra só possuía adeptos à escuridão e segundo porque apesar das diferenças entre as nações Jolnir e Delfos, ambas queriam o bem, enquanto a Penumbra sempre quis destruir a tudo e a todos.
-Eles fazem isso? - perguntei um pouco receoso.
-Eles fazem bem pior que isso. - ele respondeu com um toque de dor em sua voz.
-E como você sabe?
Mais uma vez ele me lançou aquele olhar perfurante, talvez eu estivesse indo por um caminho proibido da vida dele...
-Acho melhor eu fazer a magia. - ele disse.
Eu fiquei bastante receoso depois daquela conversa.
-Eu não sei se quero...
Ele me avaliou durante alguns segundos e disse:
-Bem, você é quem sabe.
Sua voz foi dura. O que me fez pensar um pouco... bem, ele era meu companheiro nesse teste, eu precisava confiar nele. Além disso, meus sentidos não racionais gritavam pra que eu confiasse nele.
-Pode fazer. – eu disse, um pouco apreensivo.
Ele me olhou meio perplexo, aparentemente eu o peguei de surpresa.
-Tem certeza?
Algo em sua voz não encaixava, era como se algo nele não quisesse que eu confiasse nele, mas que na verdade ele queria que eu confiasse.
-Sim, tenho, mas antes quero tirar uma dúvida.
Ele pareceu ficar realmente feliz com o que tinha ouvido, tanto que respondeu rápido, algo que ele não costumava fazer.
-Claro.
Parei de andar, ele copiou meu movimento. Olhei em seus olhos e finalmente deixei a curiosidade sair:
-O que seu professor ensinou nas últimas aulas?
Acho que esse era o tipo de pergunta que ele não esperava, afinal, ele ficou meio pensativo por um momento.
-As últimas aulas foram sobre propriedades sentimentais. O professor estava explicando como os sentimentos conseguem afetar a magia. Disse coisas como: "Um sentimento puro, sincero e forte, associado à magia pode realizar milagres". É claro que eu me senti mal, porque eu consigo melhor do que ninguém observar os sentimentos alheios, mas...
De repente eu não queria ter feito aquela pergunta, ele olhou pra baixo de forma que eu não conseguia ver seu rosto direito.
-...ter tanta dificuldade para controlar os meus próprios.
Então eu vi uma lágrima escorrendo pelo seu rosto. Eu sempre soube que ele era solitário e era óbvio que era discriminado, mas só agora eu puder ver o quanto aquilo era um peso pra ele.
-Desculpe-me por isso. – ele disse, secando o rosto. – Podemos continuar?
Não... eu não queria continuar, eu queria fazer o que fosse possível pra que ele não ficasse daquele jeito!
-Ângelo, eu não quero que você fique mal, eu... gosto de você.
Ele me olhou fixamente, seu rosto completamente congelado. Senti meu coração batendo mais forte enquanto ele me encarava, seus belos olhos azuis... Ele deu o único passo que nos separava, me abraçou e me deu um beijo no rosto.
-Eu também gosto muito de você... mais do que posso permitir. Eu não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida.
Suas palavras me cortaram, o que ele queria dizer com aquilo?!
-Do que você está dizendo?
Seu rosto estava coberto pela mágoa, e aquilo era triste de se ver.
-Acho que agora é a hora de eu lançar a magia e aí você descobrirá o porquê.
O cabelo dele adquiriu mechas negras e seus olhos ficaram mais escuros. A aura que emanava dele me fazia tremer de medo, e parecia que o calor do meu corpo estava indo embora. Seu rosto ficou preocupado ao ver minha reação.
-Vou tentar ser rápido, achei que espadachins fossem mais resistentes à magia, desculpe.
Ele fechou os olhos e colocou as pontas dos dedos na minha testa. A sensação seguinte foi de estar sendo imobilizado por magia, de repente eu não conseguia fazer nada. No instante seguinte, eu achei que a Carol iria conseguir e que eu precisava conseguir também, afinal era meu sonho.
-Ok, você é bom nisso. - eu precisei admitir.
Ele abaixou a cabeça e sorriu, um pouco tímido. Foi fofo...
-Muito obrigado.
Ele voltou a ser o mago de gelo, inibindo a magia negra e continuamos andando em direção ao bosque. Andamos durante uns 15 minutos seguindo o mapa que nos havia dado e chegamos à entrada. Parei, olhei pra ele e disse:
-Bem, é agora, está preparado?
Ângelo parou ao meu lado, suas mãos tremiam um pouco. Ele suspirou e disse:
-Sim, hora de usar a magia a nosso favor. - ele disse com um sorriso no rosto.
-Magia de suporte? - perguntei esperançoso.
Era difícil achar magos que usavam magias de suporte, normalmente eles diziam que tinham coisas mais importantes pra fazer. Eu não consigo deixar de me surpreender com este mago, em especial.
-Exatamente, prepare-se, ela não dura tanto tempo.
Assenti com a cabeça.
-Ok, manda.
Ele fechou os olhos e sua aura gélida se intensificou. Não demorou muito pra ele evocar as magias.
-Dança do vento , Visão aguçada , Regeneração fraca , Engrandecer .
A sensação de receber esses tipos de magia é única, como se você virasse algo mais poderoso.
-Agora sim, vamos lá. - ele disse confiante.
Entramos no bosque e ele estava quieto, mas nós já sabíamos o que esperar e não tardou pra aparecerem os monstros. Vieram duas plantas carnívoras e uma toupeira do bosque.
Ângelo se concentrou e bradou:
-Congelar!
Um fio azul claro saiu de suas mãos e se enroscou nas plantas, prendendo-as ao chão. Aproveitei o momento pra atacar a toupeira.
-Dupla perfurante!
Minhas duas espadas atravessaram a toupeira. Mas as plantas se libertaram e vieram em minha direção.
-Marcelo, fique atrás de mim, rápido!
Desviei-me dos ataques das plantas e corri pra trás do Ângelo, que estava extremamente gélido. Sua aura de gelo estava muito mais intensa agora.
-Névoa ártica!
Uma névoa branco-azulada partiu em direção das plantas, congelando tudo que encontrava em seu caminho. As plantas jogaram frutos envenenados, os quais ao tocarem a névoa congelaram e caíram. E o mesmo aconteceu às plantas quando a névoa as alcançou, elas foram congelando lentamente até que viraram duas esculturas de gelo.
-Ufa, pronto. - ele exclamou arfando.
-Agora você já pode aumentar a temperatura?
Como adepto ao fogo, eu nunca gostei do frio.
-Não posso, desculpe...
Ele abriu um largo sorriso ao dizer isso.
-Vou dar meu jeito então. Espadas flamejantes.
Com as espadas em chamas as coisas ficaram um pouco menos frias.
-Agora sim, podemos continuar, Ângelo.
Ele olhou minhas espadas com alguma curiosidade, mas não disse nada, só confirmou com a cabeça.
Adentramos mais no bosque, sempre atentos, pois a qualquer momento encontraríamos o chefe, e era isso que precisávamos fazer: derrotá-lo e levar uma prova disso. Não demorou muito para achá-lo, ele estava numa clareira, era uma árvore, e estava rodeado por três gnomos. Então eu sussurrei:
-Como vamos fazer?
Ele olhou para os lados, provavelmente tentando reconhecer o cenário.
-Dê-me cobertura que eu sei o que fazer, mas vai demorar um pouco e será bem desagradável.
Mas para nosso azar um dos gnomos nos viu.
-Marcelo, agora!!!
Novamente eu o vi com as mechas negras e novamente a sensação de frio e medo tomaram conta de mim, porém com mais força dessa vez.
-Concentre-se, por favor, você precisa se defender.
Dois gnomos vieram correndo em minha direção, mas pararam por um instante no meio do caminho, pelo menos a aura não atingiu só a mim.
-Concentre-se rápido!
Consegui me focar nos gnomos, mas aparentemente eles também voltaram a si e mudaram de alvo.
-Vocês vão lutar comigo! - eu gritei.
Corri pra perto do Ângelo até que fiquei entre ele e os gnomos.
-Ótimo, vou começar a evocação.
Os gnomos, usando suas adagas, investiram contra mim. Defendi-me usando as espadas e revidei.
-Tornado ardente!
Girei usando as duas espadas acertando um dos gnomos na cabeça, enquanto o outro desviou e contra atacou, fazendo um corte na minha perna, que começou a queimar de dor. Mas eu não podia pensar nisso agora.
-Impulso feroz!
Impulsionei a espada pra frente rapidamente, perfurando o peito do gnomo. Porém quando virei pra enfrentar a árvore fui acertado por uma pedra evocada por ela. Caí pra trás meio atordoado quando a árvore lançou outra pedra, e eu não ia conseguir me desviar com a perna com um corte daqueles!
-Parede de gelo. - bradou o Ângelo.
E uma parede de gelo surgiu entre eu e a pedra, fazendo com que a pedra batesse na parede e ambas quebrassem.
-Para trás Marcelo!
Corri pra trás sentindo minha perna ardendo de dor a cada passo. Virei-me a tempo de ver o gnomo correndo em direção ao Ângelo, a árvore evocando veneno e finalmente, o Ângelo, que estava coberto por uma aura azul e negra bastante forte.
O que aconteceu a seguir foi muito rápido, a árvore lançou a magia venenosa e o gnomo pulou para atacá-lo.
-NEVASCA DAS TREVAS!
Um vento gélido inundou a clareira trazendo uma neve escura que jogou o gnomo pra trás, fazendo com que ele se chocasse com o veneno da árvore. Por alguma razão quando o vento bateu no gnomo e na árvore ambos ficaram quietos, como se estivessem imobilizados, e foram congelando aos poucos até o completo congelamento.
Ângelo caiu no chão, ofegante, olhou para a árvore, levantou a mão e a fechou. A árvore se partiu em vários pedaços, deixando cair um colar com uma pedra verde.
-Marcelo... você... se machucou muito? - ele perguntou arfando.
Minha perna sangrava, mas não tinha sido um corte muito fundo.
-Um pouco. - eu admiti.
Ele me olhou um pouco preocupado.
-Eu vou aí.
Apesar da pequena distância que ele caminhara, ele estava suando e sem ar, parecia que tinha acabado de correr por horas.
-Nossa... você tá bem?
Ele me olhou por um momento, com um sorriso abobalhado no rosto.
-Sim... só um pouco cansado... usar magias com os dois elementos ao mesmo tempo requer muito de mim...
Acho que isso explica porque nunca vi ninguém com dois elementos que não fosse mago.
-Bem, não sou muito bom com cura... mas acho que ajuda um pouco.
Ele tocou minha perna, onde tinha o corte, e disse:
-Regeneração Fraca.
O ferimento fechou um pouco, mas ainda doía.
-Bem, é o máximo que consigo... magia branca é minha oposta natural.
Sua voz apesar de parecer cansada tinha um toque de felicidade, e suas bochechas um tom de constrangimento, os quais eu esperava que fossem porque ele tocou minha coxa.
-Tudo bem, já consigo andar sem doer tanto.
Levantei-me, apoiando um pouco nele. Foi uma sorte, eu achava que sairia mais machucado.
-Vou pegar o colar pra irmos. – disse o Ângelo
Eu assenti com a cabeça, mas quando ele passou do lado da estátua de gelo do gnomo, eu me lembrei do que havia acontecido com o duende e a árvore...
-O que aconteceu com os monstros quando a nevasca os atingiu? Eles pareciam meio perdidos.
Ele se sentou e respirou um pouco.
-E estavam perdidos... em suas próprias mentes, foi isso que a magia negra fez.
Imaginei como seria terrível ficar perdido em pensamentos no meio de uma batalha.
-Nossa...
Ele se levantou lentamente e pegou o colar. A forma como ele o olhava me intrigava, principalmente o sorriso em seu rosto.
-O que foi? – perguntei, receoso de invadir a privacidade dele de novo.
-Nada, só um pensamento bobo. Podemos ir?
Vindo dele, eu duvidava muito que fosse nada... mas, eu não podia fazer mais que isso. Concordei com a cabeça e voltamos pra cidade.
Estava feito, havíamos levado o colar pra academia e obtido a aprovação no teste. Agora faltava apenas uma semana pra prova final. Desde que o efeito da magia de concentração passou, eu não conseguia parar de pensar na Carol, eu pedi pra que me dessem notícias dela assim que ela chegasse e já estava tarde e ninguém veio aqui... o que podia ter acontecido?
-Marcelo, você pode vir aqui um pouco?
Era a voz da minha mãe, que estava na sala.
-Claro.
Logo que entrei na sala eu a vi, uma espadachim de cerca de 40 anos e cabelos e olhos castanhos. Ela tinha um papel na mão.
-É pra você, é do pai da Carol...
Corri até ela, peguei uma carta endereçada a mim e comecei a ler.

"Marcelo, a Carol conseguiu fazer o teste em dupla e obteve aprovação, contudo ela está muito ferida, o Fabrício foi quem a trouxe, apesar de ele também estar bastante machucado. Neste momento ela está com os curandeiros, disseram que seria melhor ela passar a noite lá para que pudesse descansar, talvez você não a veja na próxima aula, fico grato pela sua preocupação para com ela, todavia ela já está sendo cuidada, fique tranquilo.

Atenciosamente, Arthur"

-Ela está bem?
Minha mãe estava quase tão preocupada quanto eu.
-Sim, está com os curandeiros, mas está bem sim. - respondi um pouco mais aliviado.
-Que ótimo, amanhã faço algo para você levar para ela.
A expressão de seu rosto era aquela que só uma mãe consegue fazer.
-Obrigado mãe.
Eu a abracei. Voltei pro meu quarto e deitei na minha cama, um pouco mais aliviado, a Carol estava bem, mas ainda havia outras coisas, como a prova final e o Ângelo...
"Eu também gosto muito de você... mais do que posso permitir. Eu não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida."
Essa frase não saia da minha mente, não podia ser verdade, todos têm o direito de ser feliz, ele não podia fazer isso consigo. Tudo bem que a aura negra era realmente desagradável, mas mesmo assim... Olhando pelo lado dele, será que eu suportaria ficar ao lado dele se ele não inibisse o lado negro? Acho que sim, mas será que eu conseguiria convencê-lo disso? Aliás, será que eu conseguiria me convencer disso? Provavelmente eu conseguiria me convencer sim, mas convencê-lo seria difícil, talvez eu tivesse que investir nisso. Faltava só uma semana pro fim das aulas, e... o futuro daqui a uma semana era impossível de prever. Daqui a oito dias os aprovados estariam na formatura, escolhendo suas nações e os outros estariam mortos. Bem, essa era minha decisão, eu iria arriscar, e seria nessa semana. Amanhã era sábado e ele tinha me dado o endereço dele hoje quando voltamos, talvez fosse legal eu passar lá pra conversarmos.
Em meio aos pensamentos meus olhos foram se fechando, e tudo começou a ficar envolto pelas areias do sono.
"...não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida.".

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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