Quando acordei sabia exatamente o que fazer, levantei e fui ao banheiro, tomei banho, escovei os dentes, me troquei e fui tomar café da manhã.
-Bom dia meu querido. - disse minha mãe alegremente.
O bom humor dela era contagiante.
-Muito bom dia.
Ela me olhou com um olhar de suspeita.
-Você está bastante animadinho, algo especial hoje?
Meus planos foram passando pela minha mente como um filme.
-Não, nada.
Falei isso segurando a risada, sempre fui um ótimo mentiroso, mas dessa vez não deu certo.
-Ok, divirta-se fazendo nada hoje. - ela respondeu rindo.
-Obrigado mãe, te amo.
Terminei o café, dei-lhe um beijo no rosto e fui à casa de armaduras, pra verificar o estado do meu traje. Os arqueiros e espadachins usavam armaduras feitas de um tecido sintético que era resistente e não era muito pesado, enquanto que os guerreiros usavam grandes armaduras metálicas e os magos usavam uma armadura feita de um tecido extremamente leve e fino, mas que era fortalecido magicamente. Todos os equipamentos eram feitos a partir de matérias-primas obtidas de monstros, em calabouços ou até mesmo em jazidas.
-Bom dia Sr. Armando.
O senhor Armando era um mago um pouco gordo, já de certa idade e com cabelos e olhos roxos.
-Bom dia Marcelo, veio dar uma olhada na armadura ou quer comprar uma nova?
Como vendedor, obviamente ele iria preferir que eu comprasse uma nova, por isso ele sempre me dava essa opção.
-Hoje só quero dar um olhada nessa mesmo.
Ele fez a cara de decepção de sempre, quase imperceptível.
-Muito bem, vamos lá para dentro. – ele disse sorrindo.
Ele ficou fazendo os testes de sempre e disse que estava tudo bem, que só precisaria concertar o furo que havia na perna, algo que ele não demorou nem 5 minutos para arrumar.
-Muito obrigado.
Paguei o preço pelo reparo.
-De nada meu filho, volte sempre.
Hora de ir pra casa do Ângelo. Segui o endereço que ele havia me passado até chegar a uma casa cinza, um pouco velha, mas que tinha muitas plantas. Atravessei o jardim e bati na porta, uma mulher muito bonita, me atendeu, tinha olhos e cabelos verdes claros e pela sua altura devia ser uma arqueira.
-Olá, posso ajudá-lo?
Sua voz era doce mas ela agia de forma esguia, como se suspeitasse de algo em mim.
-Sim, posso falar com o Ângelo?
Ela me avaliou por um momento, mas com alguma ternura no olhar.
-Claro, já vou chamá-lo, qual é seu nome?
Eu realmente sentia como se ela estivesse me avaliando de alguma forma... o que era meio absurdo de pensar, mas...
-Marcelo. – respondi, um pouco mais tarde do que gostaria, eu não tinha porque demorar pra responder meu nome, mas por algum motivo sua forma de agir defensiva me intrigava.
-Tudo bem Marcelo, prazer em conhecê-lo então, sou Tânia. - ela disse com um sorriso, o qual eu retribui. Foi como um “Ok, você passou no teste”.
-O prazer é todo meu.
Ela entrou na casa deixando a porta entreaberta. Depois de alguns instantes a porta se abriu novamente e dessa vez apareceu um mago de pele clara, olhos e cabelos azuis claros e um sorriso no rosto.
-Bom dia. - ele disse, com a mesma expressão de estar perdido em pensamentos de sempre.
-Bom dia, é sua mãe?
Minha pergunta aparentemente tinha pego todo sua atenção, ele parecia inseguro.
-Sim, é sim.
Talvez eu já saiba de quem ele herdou o jeito estranho de agir...
-Ela é muito legal. - eu disse com um sorriso no rosto. Não era bem uma mentira, mas ela me deu um pouco de medo também.
-Sim, ela é. - ele respondeu, perdido em pensamentos novamente.
-Você tá ocupado hoje Ângelo?
A pergunta aparentemente o assustou.
-Não...
Ele me olhava com aquele rosto indecifrável.
-Então, posso te roubar por um dia? - perguntei com um sorriso atrevido.
Não sei se a expressão dele era de vergonha, alegria ou confusão. Vou dizer que era um misto dos três.
-Hum... acho que você tem esse direito, vou verificar com meus superiores. - ele respondeu com um sorriso tímido no rosto e voltou pra dentro da casa.
Pra um simples pedido de dar uma saída por um dia, até que ele demorou lá dentro...
-Desculpe a demora, - ele disse assim que voltou. – bem, posso sim, aonde vamos?
Dizer que parecia que eu tinha dado um presente a ele não seria exagero, ele pareceu bastante contente. Fico pensando se a alegria é por ter uma amizade, se é pelo passeio ou por mim. De qualquer jeito, deixei meus pensamentos e o respondi:
-Podemos ir à praça, depois almoço num restaurante e aí eu deixo você escolher pra onde quer ir.
-Quanta coisa, - ele começou a rir - mas aceito sim.
A praça não ficava muito longe da casa dele e como era sábado haveria várias pessoas lá, talvez tivéssemos a sorte de ver um mago fazendo magias bonitas.
Assim que chegamos à praça procuramos um banco pra sentar, e pra meu azar não tinha mago nenhum fazendo coisas legais aqui hoje.
-Poxa, que triste, achei que hoje tivesse algum mago aqui fazendo magias de exibição.
-É verdade, não vejo nenhum mago aqui hoje.
Não sei definir o olhar dele daquele momento, era quase como se ele estivesse ofendido e bem humorado ao mesmo tempo.
-Ah, você não conta, Ângelo.
Agora sim ele tinha um olhar de ofendido, o qual me fez rir.
-E por que não? – ele disse, colocando as mãos na cintura.
-Porque você não sabe fazer as coisas legais.
Ele ergueu uma sobrancelha, algo que eu sempre quis fazer e nunca consegui, e disse:
-Ah é? Observe.
Ele se levantou e andou até o meio da praça, parou e fechou os olhos. Sua aura azulada começou a se intensificar. De repente ele estava se movimentando como se estivesse dançando, e a temperatura começou a baixar. Começaram a surgir pequenos cristais em volta dele, acompanhando os movimentos das suas mãos. Como ele estava usando magia de gelo, seus movimentos eram leves e serenos, diferentemente da magia da terra que usava movimentos bruscos, ou a magia do fogo que usava movimentos de fúria. Os cristais começaram a se juntar, e a tomarem uma forma, até que ele parou de dançar. Ao seu lado agora existia um anjo, feito de gelo, e era lindo.
-Nossa... isso é... encantador. - eu disse admirado.
-Muito obrigado. - ele respondeu com uma voz baixa que só alguém muito tímido consegue fazer.
As pessoas que estavam assistindo, começaram a aplaudi-lo.
-Obrigado a todos... - ele disse, com o rosto vermelho.
Era óbvio que ele não estava acostumado àquilo, mas aparentemente fez-lhe muito bem. Em seguida ele voltou a sentar no banco, ao meu lado.
-Espero que isso tenha sido legal pra você... - ele disse com um sorriso bem largo no rosto.
-Ok, você já recebeu aplausos e tá até convencido, será que terei mais surpresas hoje?
Ambos rimos, era divertido esquecer a prova e o treinamento por algum tempo.
-Oi, você sabe fazer mais alguma coisa? Minhas filhas adoraram.
Era uma moça com duas crianças que pareciam extasiadas com tudo que aconteceu.
-Hum... eu posso tentar. - ele disse meio surpreso.
-Se não for muito incômodo, eu ficaria muito agradecida.
A abordagem da moça pareceu deixá-lo realmente muito assustado, o que me pareceu meio estranho.
-Não, não tem problema, - ele respondeu. – posso fazer sim.
Ele me lançou um olhar de ternura, se levantou e voltou para o meio da praça enquanto a mulher sentou ao meu lado e as crianças sentaram no chão.
-Ele é seu amigo não é? - ela me perguntara.
Fiquei tentando a dizer “Defina amizade.”, mas ao meu ver nós éramos.
-Sim, é.
Ela desviou sua atenção pro Ângelo, acariciando a cabeça das duas filhas.
-Deve ser fantástico conhecer alguém tão talentoso. – ela disse encantada.
-É, é sim. - respondi pensativo.
Desta vez ele demorou mais pra se mexer, sua aura estava um pouco maior, mas enfim ele estava fazendo os mesmos movimentos, porém dessa vez não surgiram cristais e sim uma névoa azulada que seguia fielmente suas mãos. Ele começou a rodopiar fazendo com que a névoa se transformasse num fio muito comprido que refletia a luz, era uma cena fantástica, até que o fio foi se enrolando nele e ele começou a congelar. Fiquei em choque, será que algo havia dado errado? Por que ele aceitou fazer se não tinha total controle sobre a magia? Agora, em seu lugar havia uma estátua de gelo... dele... Levantei-me e comecei a ir em sua direção, mas uma voz sussurrou em meu ouvido.
-Acalme-se, está tudo bem.
Olhei pra trás e não havia ninguém, voltei a olhar pro estátua de gelo e ela começou a emitir um brilho fraco e depois começou a se movimentar assim como Ângelo havia feito da primeira vez e novamente os cristais de gelo surgiram acompanhando os movimentos da sua mão formando outra estátua de gelo, novamente com a aparência do Ângelo. A primeira estátua ficou parada e seu brilho começou a diminuir enquanto que o mesmo brilhou começou a surgir na outra estátua. A segunda estátua começou a rodopiar e um fio começou a se formar em volta dela. A estátua começou a ficar menos transparente e mais branca, até que eu estava olhando novamente pro Ângelo rodopiando o seu fio comprido, e ao seu lado a estátua de gelo com sua imagem. Por fim, ele parou de rodar, estendeu os braços e o fio se estendeu fazendo um fino bloco de gelo envolta de si e de sua estátua. Ele olhou pra mim, sorriu e começou a andar em minha direção. Eu ia avisar que ele ia bater no globo de gelo, mas ele simplesmente o atravessou como se ele não existisse, assim como o globo permaneceu intacto, como se ele nunca tivesse o atravessado.
-Marcelo, eu ficaria feliz se você respirasse.
Olhando mais de perto ele estava meio ofegante e uma gota de suor escorreu da sua testa.
-Nossa... o que foi isso? - perguntei ainda surpreso.
-Hum... acho que você não gostou, né? - ele perguntou meio chateado.
Eu... eu não sei se gostei, eu... poxa, o que ele fez?!
-Eu fiquei preocupado. - admiti.
-Eu disse que estava tudo bem. – ele disse emburrado.
As crianças que estavam com a moça começaram a aplaudir. Em resposta foram surgindo aplausos de todos os cantos da praça, alguns começaram até a assobiar!
-Parabéns senhor mago. - eu disse contente.
-Obrigado, senhor espadachim. - ele respondeu com o rosto coberto pela vermelhidão.
-Isso foi maravilhoso! - disse a moça. - Muito obrigada.
-Não há de quê. - ele respondeu, claramente encabulado.
-Ok, agora já chega de você dar atenção aos outros, sou possessivo.
Ele começou a rir muito.
-Tudo bem, prometo ficar sentadinho aqui. – ele disse, se referindo ao banco onde estávamos antes.
-Bem melhor. - eu disse com um sorriso perverso no rosto.
Ele arqueou a sobrancelha.
-Devo comprar uma coleira também?
Comecei a rir, me recompus antes de continuar.
-Ah não, é muito caro, você não vai fugir, vai?
Ele pensou um pouco sobre o assunto, logo depois me encarou.
-Vou pensar no seu caso. - ele respondeu com um sorriso diferente, quase sexy. Quase...
-Você não fugiria de mim. – eu disse sorrindo.
Ele me olhou surpreso.
-Como pode ter tanta certeza?
Ora, que pergunta boba.
-Porque sou eu. - respondi como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Ele abriu a boca, mas logo depois a fechou sem emitir um único som.
-Nossa... vou me abster de fazer comentários.
Ele deu uma risada tímida, aliás, não só a risada, ele parecia ser muito tímido, e isso tinha que ser contornado.
-Você já tá com fome?
Eu acordei um pouco tarde, então agora já estava perto da hora do almoço.
-Devo admitir que usar magia me abriu o apetite, onde você quer comer?
Isso era algo que eu não tinha pensado ainda, assim como havia esquecido completamente que precisava pegar o bolo que minha mãe fez pra levar pra Carol.
-Bem, podemos almoçar no restaurante da Beatriz, é perto da minha casa, preciso pegar um bolo com minha mãe pra levar pra Carol.
Eu mencionar a Carol despertou sua atenção.
-Ela está bem?
Ele pareceu tão preocupado quanto os demais que souberam que ela foi pra Caverna das Sombras.
-Ela está se recuperando. - respondi tentando forçar um sorriso.
-Ah... bem, vamos então. – ele respondeu, não muito animado com aquilo.
-Sim, vamos.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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