Quando eu acordei, eles já haviam ido para as suas casas, mas o café da manhã estava na mesa. Fiz a rotina matutina, me arrumei e fui para o mercado livre. As pessoas chamavam esse mercado assim porque eram vendedores no meio da rua fazendo ofertas de armas, livros e alguns até tinham anéis. Anéis eram coisas bastante raras, nem mesmo pessoas ricas, como o Glaucos, tinham um. É claro que podiam simplesmente fazer um círculo de um metal qualquer e colocar no dedo, mas anéis com propriedades mágicas eram dificílimos de conseguir.
Fiquei observando as ofertas por um bom tempo, era difícil achar um orbe de gelo bom, os magos de gelo não eram muito numerosos. Obviamente havia mais do que os magos negros, mas ainda assim. Provavelmente eu já estava procurando por umas 2 horas quando um vendedor me chamou.
-Bom dia mago de gelo.
Sim, eu estava com a magia negra presa.
-Bom dia. – respondi educadamente.
Aproximei-me da pequena tenda mágica que ele tinha. Parecia ser feita de vidro, e era de um azul escuro muito bonito. Aquilo indicava que a loja era especializada em água, então por que ele tinha me chamado?
-Você parece procurar algo, talvez eu possa ajudá-lo.
Talvez, assim como talvez você seja daltônico, meu cabelo é claro, não escuro.
-Talvez... quero vender meu antigo orbe e comprar um novo. – eu disse, disfarçando o comentário maldoso.
-Então você está no lugar certo, tenho algo perfeito pra você.
Ele me mostrou um orbe prateado que tinha uma aura meio azulada e tinha a forma de um floco de neve com um diamante no centro. Quem diria, um orbe especializado em gelo.
-O metal é o vento ártico, uma liga de prata e cobre encantada em temperaturas extremamente baixas e como você pode ver, acompanhado de um diamante.
Muitíssimo interessante, na verdade até demais. Parecia ser um orbe muito bom, já que tinha um diamante, mas seria caro...
-É fantástico, mas... eu não tenho verba para tal. – eu disse sorrindo.
Ele pensou por um momento e seus olhos recaíram no eclipse.
-Posso trocar nesse seu orbe de eclipse.
Nem se as vacas começassem a voar... e não, nenhuma vaca sofreu mutações ao ponto de voar... no máximo de cuspir fogo, dependendo da alimentação delas.
-Ah não, ele não está à venda. – eu disse calmamente.
Ele pareceu meio desinteressado depois da recusa.
-Entendo, então, o que você tem a oferecer?
Mostrei o meu orbe da mão esquerda e o meu antigo orbe da mão direita, ambos eram feitos de uma liga de bronze com um pouco de prata e uma safira incrustada, nada muito forte.
-É o que eu tenho.
Pela sua expressão, obviamente não seria o suficiente.
-É complicado, porque esse orbe é muito poderoso.
Ele tinha razão... não valia a pena, mas havia outros fatores envolvidos além de só o preço.
-Realmente, para um mago de gelo é, é uma pena que não tenham muitos por aí, não é mesmo?
Isso o deixou pensativo.
-Além disso, meus orbes podem ser desmontados para a fabricação de algo melhor, enquanto que o seu é uma peça pronta. Diga-me, a quanto tempo você tenta vender esse orbe?
Aparentemente eu estava tendo algum sucesso, ele ficou algum tempo pensando sobre aquilo.
-Já faz algum tempo...
E ali estava a minha deixa.
-Justamente, talvez seja uma oportunidade única.
Ele avaliou a situação, me encarando por alguns segundos. Tentei manter minha postura de estar fazendo a coisa correta, quando na verdade eu estava me aproveitando de uma falha para obter vantagem. Talvez isso seja um defeito meu, mas eu aprendi a extrair vantagens das desvantagens dos outros, era assim que eu era... era assim que a magia negra funcionava.
-Ok mago, você ganhou, eu não aguento mais tentar vender esse orbe. Eu aceito a troca.
Ele me deu o orbe do vento ártico e eu dei os meus orbes de safira para ele.
-Muito obrigado, foi ótimo fazer negócio com você. - eu disse sorridente.
-Eu é que agradeço. – ele disse, olhando para os orbes que eu dera a ele, provavelmente planejando o que faria com eles.
Coloquei o orbe do vento ártico na mão esquerda e senti um arrepio, um frio bom passou pelo meu corpo. Fui para a lavanderia e peguei minhas roupas, deixei-as em casa e fui almoçar num restaurante.
Era estranho estar sozinho, já que quase o tempo todo eu tinha algum amigo por perto. Para minha surpresa eu vi o Caronte andando na rua, pela janela. Eu bati no vidro, ele ouviu e entrou no restaurante. Assim que ele chegou perto de mim eu senti uma vibração estranha do orbe do eclipse, a magia negra queria estar livre, fiz o desejo dela, a libertei. A primeira coisa que ele fez foi reparar nas minhas novas armas.
-Ângelo, desde quando você tem orbes bonitos?
A insinuação de que eu tinha orbes feios foi muito boa para o meu ego, acredite... mentira, não foi.
-O eclipse eu consegui ontem a noite e o vento ártico eu consegui hoje.
Ele segurou a minha mão, na qual o orbe do eclipse estava preso e ficou o observando.
-Não reconheço nenhum dos dois metais.
Isso me deixava um pouco mais feliz, ele também não reconhecia a luna.
-Um é o vento ártico, o outro é a luna.
Pela expressão de incredulidade no seu rosto, talvez ele conhecesse a luna sim...
-Isso é luna?! Não pode ser, a luna não pode ser combinada com um diamante.
É, ele conhecia. E eu tinha falado mais do que deveria... Eu sussurrei:
-É que não é um diamante.
Ele avaliou o meu olhar.
-Talvez você tenha tido mais aventuras do que eu esteja sabendo.
Foi uma fala engraçada, apesar de ele estar me vigiando, ele não sabia da caverna, o que era um alívio!
-Foi só uma. – eu disse sorridente. – Bem, de qualquer forma, quer almoçar?
Ele ficou pensativo.
-Eu não costumo almoçar em restaurantes.
Eu também não, mas eu não entendi qual era o problema com eles...
-Nem eu.
Ele sorriu um pouco.
-Então eu aceito.
Nós rimos. Ele pediu seu prato e comemos conversando sobre nossas vidas. Era a terceira vez que não falávamos de nada relacionado à academia. Quando acabamos de comer ficamos andando pela cidade. As pessoas ficavam um pouco irritadas quando chegavam muito perto de nós, mas resolvemos ignorar. Conversamos até as 14:45, quando eu disse que precisava ir ver minha mãe. Nós nos despedimos e eu fui para o portão de transporte.
Ver minha mãe aquele dia foi muito bom, ainda mais quando ela trouxe a Carol para me ver também, eu estava morrendo de saudade das duas. Contei a elas a minha semana e como as coisas estavam indo e... contei sobre o Miro. Inicialmente eu achei que ambas iam me fuzilar com os olhos, mas elas aceitaram numa boa, até mesmo a Carol. Pelo que parece elas também estavam começando relacionamentos, a minha mãe estava saindo com o mago que ela mencionara da última vez que nos vimos e a Carol estava namorando o arqueiro que foi com ela para a Caverna das Sombras. Foi triste lembrar daquele nome.
Ficamos conversando até as 19h, que foi quando o guarda delfi me disse que eu precisava voltar. Eu abracei e beijei as duas e voltei para a cidade. Lembrei-me de que ainda não tinha tempo de ler o livro da seção reservada, então fui à academia para fazê-lo. Peguei o livro e fui até uma mesa um pouco mais afastada das outras. O livro falava sobre magias chamadas de auto-sacrifício, cada elemento tinha um tipo de magia desta, elas eram chamadas desse jeito porque a magia era tão poderosa que inevitavelmente também matava ao evocador da mesma. Eu li sobre a de gelo, era chamada A eterna chuva de gelo, ela requeria concentração durante algumas horas e necessitava de uma evocação prévia de nuvens de tempestade. Quando eu comecei a ler a magia de auto-sacrifício das trevas uma voz atrás de mim me assustou.
-Você não pode ler este livro.
Era meu professor, eu gelei.
-Ah... é que eu fiquei curioso e... desculpe.
Vergonha transpassou meu rosto. Normalmente eu ficava envergonhado por comentários sem graça do Miro ou do Glaucos, mas isso era muito pior...
-Tudo bem Ângelo, mas há uma razão para alguns livros serem da seção reservada...
Ele pegou o livro da minha mão.
-Não queremos que os alunos cometam suicídio.
Sua voz tinha sido cortante. Eu não quis decepcioná-lo, não depois do que ele tinha feito por mim... eu tinha feito algo muito, muito ruim...
-Eu não sabia que eram magias suicidas...
Isso não melhorou o olhar de total e absoluta reprovação nem um pouco...
-Eu acredito em você, mas não quero que você faça isso de novo.
Eu queria que ele estivesse gritando, teria sido bem melhor que a voz de desapontamento...
-Tudo bem, me desculpe.
Ele respirou fundo, e me encarou, um pouco triste.
-Vou colocar esse livro na seção reservada.
Bem, sem aquele livro eu não tinha muito que fazer aqui... e nem estava no clima também...
-Ok... acho melhor eu ir.
Levantei-me e empurrei a cadeira de volta para o seu lugar.
-Não faça nenhuma besteira Ângelo.
As palavras dele me pegaram de surpresa, eu achava que a conversa já havia acabado. Mas... o que eu faria de ruim?
-Por que você está dizendo isso?
Ele ficou pensativo, mas disse:
-Por nada, tenha uma boa noite.
Eu odiava quando ele ficava misterioso, mas eu sentia que ele tinha ficado decepcionado, então a raiva se esvaiu. Fui para casa, me troquei e deitei na minha cama. Bem, o Miro não estava, então acho que não tinha problema eu dormir na cama dele hoje. Quando eu deitei notei que eu não estava acostumado a ter tanto espaço para mim, dei risada com esse pensamento. Mas não era só o espaço que era estranho, a cama tinha o cheiro dele, e eu gostava daquele cheiro. O sono veio logo, eu tinha esquecido que não tinha jantado...
Acordei no dia seguinte com um beijo.
-Bom dia.
O Miro estava sentado ao meu lado.
-Bom dia. – eu disse preguiçosamente.
-Gostou da cama? – ele perguntou com um sorriso malicioso no rosto.
Minha mente viu algumas possibilidades de interpretação, uma pior que a outra. Respondi usando a interpretação mais pura.
-É confortável.
Ele riu, provavelmente imaginando o porquê de eu ter demorado um pouco para responder.
-Que bom que você gostou dela.
Eu achei muito suspeito esse comentário, mas para manter minha sanidade mental num nível aceitável achei melhor ignorar esse pensamento.
-Que horas são, Miro?
Ele olhou no relógio que tínhamos no quarto, o qual ficava na parede, logo acima da cama do Glaucos e disse:
-Oito horas.
Eu ainda não queria levantar... enrolei-me um pouco mais no lençol e perguntei:
-E como foi seu sábado?
Ele começou a mexer no meu cabelo, enquanto falava:
-Foi bom rever a família.
Sim, isso me lembrava que eu tirei um dia dele perto dos pais dele...
-É, digo o mesmo.
Ele deitou ao meu lado e me beijou no rosto.
-Não vou te beijar, não escovei os dentes.
Ele riu.
-Na verdade, eu vou fazer isso agora.
Levantei-me, peguei uma camisa preta de manga comprida e uma calça jeans azul escura, os quais me deixavam muito bem, e entrei no banheiro. Tomei meu banho, escovei os dentes, sequei-me, dessa vez arrumei meu cabelo, e me troquei. Quando sai percebi que o Miro tinha trocado de roupa. Ele usava uma camisa branca de manga curta que ficava bem justa ao corpo e era um pouco aberta no peito, deixando à mostra seu pingente azul, sua calça era jeans preta, básica. Ele estava absurdamente lindo.
-Porque você está arrumado? - eu perguntei, tentando disfarçar o quanto estava abobado com aquele visual dele.
-Faço a mesma pergunta. – ele perguntou, cruzando os braços.
-Ah... eu queria me sentir bonito hoje.
Ele riu um pouco e veio até mim, me dando um abraço muito bom...
-Você sempre está bonito. – ele disse, beijando minha testa.
Meu rosto ficou vermelho.
-Acho que é a sua vez de responder a pergunta.
Ele me encarou por alguns momentos, aqueles olhos vermelhos que lembravam o puro fogo.
-Eu queria ficar bonito pra você.
Ah, que fofo! Poxa, eu pareci meio egoísta, olhando por esse ângulo, mas tudo bem. Eu ri do meu pensamento. Encostei a cabeça em seu peito.
-Seu cabelo tá arrumado? – ele perguntou meio incrédulo.
Era a primeira vez que eu o arrumava na nação delfi... lembrar: arrumar o cabelo não mata.
-Hum... sim.
Ele começou a rir.
-Nossa, hoje chove.
Eu bati no peito dele.
-Que absurdo, seu besta!
Eu comecei a rir também.
-Eu nunca te vi com o cabelo arrumado!
Ah, nem por isso...
-Eu tenho preguiça de arrumar.
Pensando bem, era meio óbvio que era preguiça de arrumar, não precisava eu ter dito. O que mais seria?
-Ah... bem, já que estamos arrumados, temos que sair. Pra onde você quer ir?
Meu estômago fez barulho.
-Eu quero ir tomar café.
Ele riu.
-É verdade, você não tomou café ainda.
Eu concordei com a cabeça.
-Vou lá buscar alguma coisa para comer. – eu disse, afastando-me um pouco dele, e virando para ir para a porta. Ele colocou as duas mãos na minha cintura e disse:
-Eu vou com você.
Eu olhei para ele, meio sem graça, e tirei a mão dele dali. Ele riu um pouco com aquilo, mas não fez nada para me deter. Lancei um olhar de “se comporte” e segurei a mão dele. Fomos até a cozinha, ele foi com um sorriso sem vergonha no rosto por todo o caminho.
Peguei só um pão com manteiga e um suco de laranja e comecei a comer ali mesmo, aparentemente ninguém parecia se importar.
-Você vai comer só isso?
Olhei para o meu pão, ele parecia ser suficiente para mim.
-Acho que sim, por quê?
Aquele sorriso que antevia um comentário que com certeza me deixaria muito envergonhado apareceu em seu rosto. Que Deus tenha piedade de meus ouvidos...
-Talvez você precise de bastante energia hoje.
Eu estava tomando o suco na hora, então eu quase me engasguei com ele. Assim que eu parei de tossir, o que demorou algum tempo, eu olhei para ele, com o rosto vermelho, e perguntei:
-E o que lhe faz pensar que vou precisar de mais energia hoje?
Ele abriu um largo sorriso, e essa foi a minha resposta.
Terminei meu café da manhã em silêncio. Eu estava quieto porque estava envergonhado. Ele estava quieto porque provavelmente estava curtindo um pouco da minha vergonha.
Quando eu terminei, ele perguntou:
-Então... aonde vamos?
Eu não conhecia quase nada, não tinha como eu opinar muito bem sobre aquilo.
-Eu não conheço a cidade...
Eu fiquei meio sem jeito, já fazia algum tempo que eu estava aqui e eu nunca saía para passear. Não que em Jolnir fosse diferente, mas eu tinha feito mudanças, uma delas poderia ter sido essa...
-Ah é... ok, posso te levar na praça.
Isso me deu um dejá-vù impressionante.
-Não pode ser outro lugar?
Ele não entendia a cara de horror que eu estava fazendo, já que eu não havia contado a ele muita coisa a respeito do Marcelo.
-Qual o problema com a praça?
Todos.
-Eu tenho problemas com a praça.
Ele parecia estar muito curioso, e eu ficaria muito feliz se fôssemos para um novo tópico.
-Ah... então tá. Podemos ir à praia.
Isso sim seria legal. Seria muito bom voltar lá depois de tanto tempo.
-Tudo bem, vamos. – eu disse sorrindo.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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