Felizmente, ou não, meus medos estavam saindo junto com as lágrimas, já era a hora de eu resolver a minha vida de vez. Sequei as lágrimas.
-Você acha que os mortos nos observam?
Um pequeno plano começou a se formar na minha mente.
-Não sei, acho que sim, por quê?
Bem, era uma ideia meio absurda, mas não custaria tentar...
-Então preciso de mais cinco minutos sozinho, já volto.
Ele não entendeu muito bem, mas assentiu, de qualquer forma.
-Ah... tá.
A coisa que eu faria a seguir seria absolutamente patética, mas eu precisava tentar. Sentei ao lado de uma grande árvore, de costas para o Miro, longe o suficiente para ele não me ouvir.
-Marcelo, eu sei que você não pode mais aparecer aqui, mas você pode me visitar em um sonho, e é isso que eu quero que você faça agora, Sono.
Imediatamente meus olhos começaram a ficar pesados. Lançar uma magia sobre si é algo diferente, não tem resistência, mas ao mesmo tempo é meio suicida. De qualquer forma, deu certo, eu estava dormindo. Mais uma vez eu o vi, com o uniforme branco. Ele sorriu.
-Você é louco, não vou conseguir ficar muito tempo.
Ele realmente parecia surpreso com minha ideia, mas ele também tinha razão, eu não podia demorar muito.
-Eu só... quero dizer que nunca vou te esquecer.
Se eu ia rearrumar minha vida, eu tinha que ser sincero e estar bem com o meu passado. Ele parecia feliz com minha decisão, quando a notou.
-Eu também nunca vou te esquecer Ângelo. E fico feliz que você esteja seguindo sua vida.
Eu queria abraçá-lo, mas eu não ia conseguir. De qualquer forma eu tentei. Aproximei-me lentamente dele, e o abracei. Eu consegui, eu podia senti-lo. Era diferente, não tinha aquele calor de sempre, mas por um momento ele estava ali comigo.
-Obrigado por tudo, te amo. – eu disse, me afastando um pouco.
-Também te amo. – ele disse sorrindo.
-Sempre que puder, venha me ver em sonhos.
O sorriso dele diminuiu um pouco e seu rosto ficou um pouco preocupado. Aquilo certamente não era uma boa notícia.
-Eu não posso... você não deve ficar amarrado ao passado. Eu preciso descansar...
Fazia sentido, era egoísta o meu pedido.
-Ah... desculpe, acho que é sua hora de ir, mesmo.
Bem, uma despedida um pouco melhor do que as outras duas, uma de verdade.
-Sim, espero que não fique chateado.
Saudoso, pensativo, talvez. Chateado não.
-Não ficarei, até algum dia.
Dei meu melhor sorriso, ele retribuiu.
-Até.
Aparentemente eu só cochilei, porque o Miro ainda estava no mesmo lugar. Fui em direção a ele, um pouco mais confiante, definitivamente decidido.
-O que você foi fazer?
Várias respostas me passaram pela cabeça. Usei a mais verdadeira.
-Dormir.
-Ah...
Certamente ele não esperava por isso, mas uma outra hora eu poderia explicar. Voltei à minha posição no colo dele, e ele voltou a bagunçar meu cabelo.
-Não achei que você fosse tão carinhoso.
Ele me olhou com ternura, um deslumbre de um sorriso apareceu em seu rosto.
-Não é porque sou um guerreiro que não sei ser carinhoso.
A forma como as palavras saíram, era como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Quase como se incontestável.
-É estranho, - eu admiti. - Mas é muito bonitinho.
Ele ficou vermelho, eu nunca tinha visto ele vermelho antes.
-Eba, consegui fazer você ficar vermelho, agora só faltam umas quinze vezes para empatarmos.
Ele sorriu, meio sem graça, mas o brilho nos seus olhos dizia que ele não ia deixar isso passar.
-Eu te deixo vermelho bem mais fácil, é só eu deitar na sua cama.
Foi a minha vez de ficar vermelho, lembrar daquela cena era absolutamente constrangedor.
-Viu como é fácil?
Ele começou a rir.
-Isso não é justo, não tenho culpa de ter vergonha.
Eu o tinha pego, ele parou de rir e me olhou com cara de ultraje.
-Ora, então você ta dizendo que eu não tenho?
Agora era minha vez de retribuir as risadas.
-Ah, ter tem. No fundo, bem lá no fundo você tem.
Fiz minha melhor cara de bom moço, mas não consegui sustentar por muito tempo, e voltei a rir.
-Ah é? – ele perguntou, com um sorriso malvado no rosto. Ele pegou um punhado de água com a mão e derramou no meu rosto.
-Você não fez isso...
Limpei o rosto com a manga do quimono, enquanto lançava um olhar de ódio mortal e eterno a ele.
-Eu fiz, vai revidar como? Me dando um pouco de vergonha?
Bem melhor que isso. Eu toquei a água e fiz um fluxo de gelo, entrando pela armadura dele, pelas costas, deslizando por toda sua coluna até chegar ao pescoço. Ele se arrepiou.
-Já consigo fazer você ficar arrepiado, que legal.
Eu comecei a rir muito. Ele me pegou no colo e olhou para o lago.
-Isso eu também sei fazer.
Ele deslizou a mão pelas minhas costas, por trás do quimono, da mesma forma que eu fiz com o gelo nas costas dele. Para meu azar eu também me arrepiei. Maldita falta de controle.
-Ai, ok, já está bom. Já está vingado.
Tirei a mão dele das minhas costas, com algum esforço.
-Você não sabe brincar Miro.
Eu ainda sentia a umidade no meu cabelo.
-Ah, fica quieto Ângelo.
Aparentemente alguém não queria ficar por baixo, mas eu também não ia.
-Faz eu ficar quieto.
Ele me abraçou e me levantou, e fez isso rápido, o que me surpreendeu muito. Nossos rostos ficaram na mesma altura, meu coração disparou. Eu vi o rosto dele ficando cada vez mais próximo do meu, senti o calor do seu hálito, enquanto seu corpo pressionava um pouco o meu naquele abraço. Até que nossos lábios se encontraram pela primeira vez. O que eu esperava? Um beijo intenso? Algo com sentimento? Algo sutil? Acho que eu nunca soube. A única coisa que importava ali era o toque dos seus lábios contra os meus, e seu calor estonteante. Coloquei minhas mãos em seu pescoço, e afastei um pouco meu rosto. Encaramos-nos por alguns momentos, talvez eu estivesse fazendo mais drama do que o necessário, mas...
-Você definitivamente não sabe brincar.
Meu rosto estava muito vermelho, eu odiava ser pego de surpresa, ainda mais desse jeito.
-Você é muito tímido Ângelo.
Nesse ponto ele tinha toda razão.
-É...
Acariciei seu pescoço, logo abaixo da orelha. Isso me garantiu um sorriso da parte dele.
-Isso te incomoda? Sua timidez?
Não era algo que eu já havia parado para pensar.
-Talvez seja melhor assim, daí eu condeno menos pessoas.
Ele ficou bastante surpreso.
-Qual tipo de condenação?
Respirei fundo e libertei a magia negra. Ele ficou quieto por alguns segundos, mas logo voltou a falar.
-Ah, essa condenação.
Sim, a condenação que me fez por tanto tempo ficar isolado das outras pessoas, e a que quase sempre foi o maior fruto dos meus problemas.
-Eu não devia me deixar levar...
Ele deu uma risada boba, algo que eu realmente não esperava.
-Se isso for a única coisa que ainda faz você ter dúvidas sobre nós, - ele disse, antes que eu conseguisse terminar a minha frase. - então pode começar a dormir mais tranquilamente.
Suas palavras me abalaram e me confortaram. Era bom e ruim ao mesmo tempo.
-Não dói?
Por um breve momento ele ficou pensativo, mas depois voltou a me olhar, sorrindo.
-Um pouquinho, eu me lembro de algumas coisas chatas. Mas daí eu olho pra você e a sensação ruim passa.
Aquilo foi muito fofo, mas estar com os pés fora do chão estava começando a me incomodar.
-Hum... isso me alivia, mas você já pode me colocar no chão.
Eu não gostava da sensação de ele me carregando. Na verdade eu não gostava de dar trabalho para ninguém, especialmente para ele.
-Você não é pesado. – ele disse sorrindo.
-Por favor. – eu pedi.
Minha voz fora suave, e fora complementada por um beijo, o qual ele não esperava. Ele entendera o recado e me colocou no chão. Voltei para minha posição, sentado, ele fez o mesmo ao meu lado. Novamente eu deitei em seu colo, peguei sua mão e coloquei-a encima do meu peito, segurando-a com minhas duas mãos.
-Seu coração tá acelerado.
Acelerado? Eu quase sentia ele sair pela garganta...
-Sim.
Ele abaixou um pouco a cabeça, e falou um pouco mais baixo.
-Neste caso, acho que você tá gostando.
Não, não, eu estava odiando. Odeio ser beijado por um cara bonito, que gostava de mim, era fofo, legal, divertido e coisas do tipo.
-Eu queria poder dizer que não, tenho receio se ver o ego de certo alguém mais cheio do que deveria.
Um grande sorriso se abriu em seu rosto, com a mão livre ele voltou a bagunçar o meu cabelo.
-Eu não tenho ego inflado, deixo isso pro Glaucos.
Eu comecei a rir, de certa forma era verdade.
Ficamos mais algum tempo por ali, talvez uma hora, quando o Glaucos e a Higéia chegaram. Tive uma sensação muito estranha, a presença de magia negra. Levantei-me rapidamente e olhei em volta, procurando algum monstro ou algum desconhecido, mas não tinha ninguém, e o rastro de magia desapareceu.
-Ângelo, o que foi? - o Miro disse, percebendo minha preocupação.
-Nada...
Tentei não transparecer minha preocupação e voltei minha atenção para o Glaucos, o qual parecia ter gostado tanto da exploração quanto eu ou o Miro. A Higéia parecia um pouco sonhadora.
-Galera, - começou o Glaucos - precisamos ir, já tá ficando tarde.
Era verdade. Concordamos e voltamos à cidade.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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