Quando cheguei em casa já haviam pedido a janta, mas estavam me esperando para comer.
-Ângelo, o que você teve que fazer? - perguntou o Miro.
Contei a eles sobre os livros e também sobre a pedra.
-O que vocês acham que pode ser?
Eles pareceram pensativos, mas assim como eu, não sabiam o que era.
-Não sei Ângelo, – disse o Glaucos – mas toda magia que usa magia branca e negra ao mesmo tempo é sinal de algo poderoso.
Isso era verdade. Era quase impossível juntar um mago branco e um negro no mesmo lugar, normalmente os magos negros são da Penumbra e os magos brancos são jolnirs ou delfis.
-Vocês não acham que possa ser algo ruim não é?
O jeito estranho do professor me deixava na dúvida de vez em quando.
-Acho que não, – disse o Miro – afinal, ele é seu professor.
Confiar nas autoridades era um ensinamento antigo em Jolnir, aparentemente aqui também. Eu nunca fui muito bom com essa regra, por saber o quão manipulável as pessoas podem ser. Mas era um ponto a se considerar.
-É, você tem razão, preciso ter mais fé nele.
Minha frase foi mais um pedido para comigo mesmo do que uma resposta ao Miro. O Glaucos me olhava com alguma firmeza, o que não gostei muito. Tentei desviar o olhar, até que encontrei os olhos do Miro, que diziam que ele queria algo.
-Então... podemos comer? - disse o Miro.
Isso explicava a cara.
-Podemos. - eu respondi rindo.
Jantamos e depois o Glaucos foi ver uns amigos que moravam no andar de cima. Fiquei sozinho no quarto com o Miro. Ele veio até a minha cama, se sentou e ficou me olhando. Preciso admitir, eu senti muito a falta dele durante o dia e ter ele só para mim de novo era muito bom. Deitei no colo dele.
-Ah não Ângelo, sua cama é pequena, eu não consigo deitar direito.
Ele me pegou no colo e me levou até a cama dele.
-Aqui é melhor.
Ele me deitou em sua cama e depois ficou ao meu lado, também deitado. Eu peguei a mão dele com as minhas. Como era bom tê-lo pertinho, sentir seu calor e ter a sensação de estar protegido.
-Você tá calado. – ele disse enquanto acariciava meu cabelo com a mão livre.
-Eu estava pensando em algumas coisas.
Ele ficou pensativo por uns instantes, mas logo seu rosto se abriu num pequeno sorriso. Invadir a mente para saber o que ele tinha pensado seria algo ruim?
Seria.
-Que tipo de coisas você tava pensando?
Meu rosto ficou vermelho. Pensar no corpo dele tão perto, mesmo que ele estivesse com a armadura, era... tentador.
-Hum... nada.
Ele ficou de lado, acho que eu nunca pude reparar tão bem em seu rosto. Era lindo, mas normalmente eu tinha que olhar para cima para vê-lo, então não o fazia com tanta frequência.
-Miro, você é lindo.
Aquilo o pegou de surpresa, ele passou a mão pelo meu rosto, chegando até o meu pescoço. Seu olhar tão sonhador...
-Brigado Ângelo, você também é.
Eu acariciei seu rosto com a mão livre. Seus olhos vermelhos não focavam outra coisa se não a mim. Ele chegou mais perto, agora nossos narizes quase se tocavam, mas a proximidade entre os rostos foi ficando cada vez menor, até que ele me beijou. Segurei o pescoço dele com a mão com um pouco mais de força, ele se arrepiou um pouco. Eu ri.
-Problemas com o pescoço?
Minha voz tinha sido tão inocente, mascarando o quão saltitante eu estava.
-Talvez, e você? Onde tem problema?
Dizer não teria a menor graça...
-Por que você não tenta descobrir?
Aquilo o surpreendeu. Na verdade, surpreendeu até a mim, desde quando eu conseguia falar algo assim?
-Achei que você nunca ia pedir.
Ele foi beijando meu pescoço, até chegar na nuca. Eu me arrepiei com aquilo.
-Huumm...
Tinha uma coisa que eu tinha muita vontade de fazer, mas morria de vergonha. Respirei fundo e coloquei minha mão na barriga dele, por debaixo da armadura. Era dura. Ele fez menção de tirar a armadura, meu rosto ficou extremamente vermelho.
-Não, não tira!
Sim, eu fiquei meio desesperado.
-Mas...
Nós dois na cama dele enquanto ele fica sem armadura? Muito tentador, até demais. Eu realmente não estava pronto para isso, de jeito nenhum!
-Não. Por favor, não.
Ele parecia meio confuso, acho que ele não esperava que minha timidez fosse tão grande assim.
-Mas você me vê sem armadura todo dia...
-Sim, quando eu não estou deitado com você, é imensamente diferente.
Ele processou a informação por alguns momentos.
-Ah, eu não vejo diferença.
A sua cara de inocente declarava que ele não via mesmo. A minha de santa imaculada, e acredite ou não eu sei fazer essa cara, dizia o total oposto.
-Eu vejo, continue vestido.
Ele deu de ombros, voltando a deitar na cama.
-Ok, você manda.
Ele fez um sorriso sem vergonha que eu tinha certeza que ele aprendera com o Glaucos.
-Nem quero imaginar o que se passa na sua cabeça neste momento.
Ele me abraçou, com um pouco mais de força. Não doeu, foi... diferente, acho que foi o melhor abraço que eu já recebera na vida, não que eu tenha recebido muitos...
Comecei a bagunçar o cabelo dele, ou pelo menos o que tinha. O cabelo dele era quase raspado, não tinha lá tanta graça, mas ainda era gostoso. Fiz algo que nunca pensei em fazer, sentei e o deitei no meu colo. Foi uma cena estranha, porém engraçada, dava a impressão de que tinha algo errado.
-Você não acha que sou um pouco grandinho pra você não?
Talvez, mas ele não precisava saber disso.
-Acho que se eu pensasse assim não estaria com você agora.
Ele ficou quieto, eu o beijei na testa e continuei tentando bagunçar seu cabelo, apesar de o cabelo não se mexer.
-Você acha que vai dar certo?
Sua pergunta foi estranha, e me pegou de surpresa.
-O quê?
Ele levantou um pouco a cabeça para me olhar nos olhos.
-Nós.
Eu precisava ser sincero com ele, depois do que passei com o Marcelo, eu não tinha tanta fé em relacionamentos longos, nossas vidas eram um tanto quanto arriscadas.
-Eu não sei...
Acho que não era a resposta que ele esperava, aquilo parecia tê-lo chateado um pouco...
-Não digo isso por mim, eu sempre estarei ao seu lado, mas...
Mas era muito difícil ignorar tudo que podia dar errado só para manter a salvo o sonho de uma vida feliz e duradoura ao lado dele.
-Você diz isso por causa do Marcelo?
Bem, aparentemente ele entendeu meu ponto de vista.
-É...
Ele se levantou e ficou de joelhos na cama, de frente para mim. Segurou meu rosto com as duas mãos e disse:
-Pelo menos vamos aproveitar ao máximo um ao outro enquanto temos oportunidade, é o que podemos fazer.
Seus olhos miravam o meu com ternura, como era bom sentir-se amado...
-Você está certo. – respondi sorrindo.
-Ótimo. – ele disse, retribuindo o sorriso.
Ele se levantou e começou a tirar a armadura. Fiquei boquiaberto.
-O que você pensa que está fazendo?! – perguntei, com a voz numa altura um pouco maior que o normal...
-Eu vou me trocar... – ele disse tranquilamente. - você disse que eu não podia ficar só de bermuda, mas não disse que eu precisava ficar com a armadura.
Ponto para ele.
-Ah... ok.
Fiquei assistindo ele tirando a armadura e pegando uma roupa mais leve no armário dele. Tentei disfarçar um pouco para não parecer que eu estava babando muito, então mantive a cara de apreensivo.
-Que medo é esse? - ele perguntou enquanto colocava a camisa. - Eu não mordo, só quando pedem.
E era aí que residia o problema.
-Então... vai que eu caio na tentação de pedir.
Falar antes de pensar não era um hábito meu, mas até que não estava sendo de todo mau.
Ele fez cara de safado e começou a rir. Apesar da vergonha eu ri também, era uma situação nova, mas muito engraçada. Resolvi me trocar também, mas com magia.
-Troca.
Coloquei uma bermuda azul clara e uma camiseta preta. O desapontamento no rosto dele era evidente.
-Poxa Ângelo, você se troca rápido demais, nem consigo aproveitar o momento.
Meu rosto ficou vermelho de novo.
-Você podia parar de dizer coisas constrangedoras.
O jeito como ele mordeu os lábios me deu uma leve impressão que não seria hoje que meu pedido ia ser atendido.
-Mas é muito divertido te ver vermelho.
Ah, claro, não tem o que fazer? Deixe o Ângelo vermelho, é engraçado.
-Daqui a pouco vou te deixar roxo, daí você vai ver.
Tentei manter uma cara de bravo, mas que olhar foi aquele que ele fez?!
-Uau, que selvagem você.
Quem ficou roxo foi eu, de vergonha. A intenção da frase definitivamente não era essa!
-Aaahhh, eu não quis dizer isso.
Deitei na minha cama e escondi o rosto com o travesseiro, ele começou a rir muito. Senti o peso dele quando ele deitou ao meu lado.
-Ângelo, você é muito tímido, isso é muito engraçado.
Eu ia realmente bater nele, não tinha graça mais ele ficar me zuando.
-Seu... bobo.
Sim, foi o máximo que consegui na hora.
-Mas você gosta.
É, realmente... mas espera, não, eu tinha que estar bravo com ele.
-Que convencido.
Tirei o travesseiro para ver o que ele estava fazendo. Para minha pequena surpresa eu estava, de certa forma, preso, porque do jeito que ele estava não dava para eu sair, apesar de ele não estar literalmente em cima de mim, se não eu estaria esmagado agora.
-O que...?
Eu teria terminado a pergunta, se ele não tivesse abaixado a cabeça e me beijado. Segurei o pescoço dele com as duas mãos, até lembrar que eu ainda estava bravo com ele.
-Então eu sou o tímido...
Mordi seu lábio, não com muita força, mas o suficiente para descontar um pouquinho da raiva. Ele me olhou de um jeito estranho, sorrindo.
-Viu como você é selvagem?
Isso com certeza explicava o olhar.
-Devo lhe dizer que não gosto da sensação de estar preso.
Ele beijou o meu pescoço, logo abaixo da minha orelha e sussurrou:
-Mas você não tá preso.
Como não?! Se ele parasse de apoiar o próprio peso com os braços ele cairia encima de mim! E ele era pesado!
-Levando em conta que ainda não sei me teleportar, então estou sim.
Ele riu e disse:
-Estou no comando.
Um sorriso enorme se abriu em seu rosto.
-Ah, eu tenho medo dessas coisas.
Ambos rimos.
-Como é muito bom estar com você, você me faz bem. – ele disse.
Meu coração acelerou, foi tão fofo!
-Aaahh, que lindooooo.
Eu apertei as bochechas dele, o que o fez ficar envergonhado. Não acredito que ele ficou envergonhado com isso!
-De tudo que eu faço, você fica envergonhado com eu apertando suas bochechas?
Ele deu um sorriso tímido e virou o rosto.
-É que minha família fazia isso quando eu era criança.
Eu me lembrei da imagem dele que vi no lago, de quando ele era menor. Tentei imaginar uma tia apertando as bochechas dele, como aquela cena era engraçada. Comecei a chorar de rir.
-Daí agora que você é um hominho você sente vergonha?
O rosto dele ficou ainda mais vermelho, enquanto eu gargalhava.
-Ok, já sei como você se sente, já pode parar Ângelo.
Enfim, a doce sensação da vingança. Muaaahahahahaaaa
-Ah, não mesmo.
Ele saiu de cima de mim, meio sem jeito e ficou sentado na cama. Sentei-me de frente para ele, tentando controlar os risos. Ele ficou me encarando enquanto eu me controlava.
-Pronto? – ele perguntou, com um olhar que estava entre a vergonha e um algo a mais que não consegui captar.
-Acho que sim. – eu disse enquanto secava uma lágrima que caia do meu rosto.
-Talvez fosse melhor eu já ficar com minha roupa de dormir, - ele disse calmamente. - é mais leve. Você não acha?
Eu entendi o leve tom ameaçador. Meu sangue também, ele lembrou com mais entusiasmo das minhas bochechas.
-Ok, parei.
Eu me aproximei um pouco mais dele e o abracei, colocando minha cabeça no seu peito. Ele me abraçou de volta, acariciando meu cabelo.
-Sabe, - ele começou. - você podia dormir na minha cama hoje.
Afastei-me um pouco dele. Analisando o verbo dormir como tendo o sentido ter uma noite de sono, não teria problema, se morássemos só nós dois.
-Acho melhor não... um dia que o Glaucos não estiver nós fazemos isso.
Sua expressão aparentava demonstrar que ele havia me entendido, até ele abrir a boca.
-Mas é só pra dormir mesmo Ângelo.
A inocência em seus olhos era quase irritante. Dava a impressão de que eu era o sem vergonha da situação!
-Eu sei que é só para dormir! Se não eu nem teria falado sobre outro dia. O que mais poderia ser?
-Ah poderíamos também... - eu diria que ele ia falar, mas quando olhou minha cara de “Fala que eu te arrebento” ele desistiu – fazer uma guerra de travesseiros.
Ele foi rápido, tenho que admitir.
-Ah não, eu ia perder.
Mago esquelético contra guerreiro numa guerra de travesseiros. Resultado totalmente imprevisível.
-Por que você diz isso?
Novamente aquele olhar de criança inocente, se segurando para não rir.
-Quanto você pesa?
Ele mordeu os lábios antes de responder.
-120Kg.
Ok, eu sabia que ele era pesado, mas 120Kg?! Era quase o dobro do meu peso!
-Levando em conta que eu tenho 64Kg, você tem praticamente o dobro do meu peso.
Ele deu de ombros, se divertindo com a situação.
-E quanto você tem de altura?
-Ah... – ele começou, num tom de voz não muito animado. - 1,95m, mas o Glaucos tem 2,02m.
Eu queria ter mais amigos baixos por aqui...
-E eu tenho 1,75m. Agora vamos avaliar. Como uma pessoa derruba outra com o dobro da massa e que ainda por cima é 20cm mais alta, tudo isso com um travesseiro?
Ele pensou nisso por algum tempo, até voltar a me olhar com um pequeno sorriso no rosto.
-Eu confio em você.
Eu ri com a cara que ele fez.
-Não, eu não vou fazer guerra de travesseiros e nem vou dormir com você, hoje.
Ele começou a fazer bico, nós dois rimos.
-Então podemos fazer isso outro dia.
É claro que podíamos fazer isso outro dia, dormir com ele seria muito bom.
-Sim, nós podemos dormir juntos um dia. – eu disse sorrindo.
-Já estão planejando esse tipo de coisa? Vocês não perdem tempo mesmo.
Era o Glaucos, ele entrou no quarto rindo. Meu rosto ficou muito vermelho.
-Não é exatamente o que você está pensando...
Bem, eu podia tentar explicar, ou podia deixá-lo pensando o que quisesse. O Miro escolheu por mim.
-Relaxa Glaucos, se fosse o dormir que você pensou, o Ângelo teria feito bem mais do que só ficar vermelho.
Apesar de ele estar coberto de razão, não foi a explicação mais sutil que poderia ter sido dada.
-Obrigado pela parte que me toca. – eu disse, sarcasticamente.
-De nada Ângelo, é sempre um prazer. – ele disse, sorrindo.
O Glaucos revirou os olhos e foi até sua cama. Ele parecia meio abatido ou triste, algo assim... Ele se sentou, colocando as duas mãos na frente do rosto e tirando o cabelo da testa. Sentei-me ao seu lado.
-O que houve?
Eu não queria acreditar que essa chateação fosse por minha causa e do Miro, não fazia muito sentido...
-É a Higéia, às vezes ela é estranha. - ele admitiu.
Em parte isso me tranqüilizava, mas... eu nunca havia reparado em nada estranho nela, e nós estudávamos juntos todos os dias.
-Em que sentido?
Ele cruzou as pernas e ficou meio pensativo.
-Certas vezes... ela fica pensativa demais, como se estivesse paralisada. É rápido, mas eu pude perceber.
Talvez isso explicasse o porquê de eu nunca ter reparado, nós não tínhamos tanto contato assim, já que eu treinava com o Caronte.
-Hum... vou prestar atenção nela, se eu ver algo errado, eu te aviso.
Ele descruzou as pernas e me deu um sorriso. Era bom vê-lo mais calmo.
-Obrigado Ângelo.
Ele me abraçou de lado.
-Não tem de quê. Mas, já está tarde, acho que podemos ir dormir. - olhei para o Miro, que começou a rir – E quando eu digo dormir é dormir mesmo e cada um em sua respectiva cama.
Ele riu mais alto, o Glaucos deu de ombros.
-Amigos gays... como entendê-los?
Eu ri e voltei para minha cama. Conversamos um pouco mais, até que eles se trocaram e pegaram no sono. Não demorou muito para que o sono me consumisse também. Por sorte, foi uma noite sem sonhos.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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