Acordei com o sol em meu rosto, não era algo muito confortável, mas não estava tão quente ainda. Levantei-me silenciosamente, não queria acordar meus colegas de quarto. Fui até o banheiro, escovei os dentes e tomei um banho, aproveitei a água para começar a absorver um pouco de energia, não muita, já que eu não podia demorar muito e aquilo exigia alguma concentração. Coloquei meu uniforme, porém não sabia o quão leve era o sono deles, seria melhor não pisar no chão. Sussurrei:
-Flutuar.
Flutuei até a janela e sai por ela. Fiquei em cima de uma árvore, concentrando-me exclusivamente em absorver energia das plantas. Foi algo difícil, havia muitas coisas para pensar, como: minha mãe, a aceitação neste lugar, o qual estava bastante complicada, a convivência com meus novos amigos, em especial o Miro, que conseguia me tirar o fôlego, algo que eu não podia permitir... e por fim, Marcelo. Lembrar dele em meus braços, quieto, sem respirar... era uma dor constante que se associava às lembranças ruins que a magia negra me proporcionara. Eu não ia pensar nisso, já estava acostumado a sofrer e não tinha muito tempo para absorver energia. O ar que veio do quarto mostrava sinais de movimento de calor, alguém havia levantado da cama, procurei a mente mais ativa, parecia ser a do Glaucos e ele estava me procurando. Tentei mandar uma mensagem telepática a ele, mas não consegui... qual o problema com esse garoto?! Voltei para o quarto antes que ele começasse a me procurar.
-Cara, onde você tava? Você veio da janela?!
Ah, num era tão anormal assim, era?
-Hum, é... eu estava captando energia das plantas.
Ele me olhou de um jeito esquisito, mas deu de ombros e foi para o banheiro, provavelmente para tomar banho. Fiquei olhando a paisagem da janela enquanto esperava eles se arrumarem. Quando eu voltei para o quarto, o Miro estava se levantando enquanto o Glaucos colocava seu uniforme. Na mesa que outrora estivera vazia agora havia pães e bolachas, além de café e leite, o que me deixou meio confuso, não acho que o Glaucos tenha tido tempo de ir comprar algo enquanto eu estivera fora.
-Esta comida veio de onde?
O Glaucos começou a secar o cabelo, enquanto o Miro ficou sentado na cama.
-O serviço de quarto trouxe, eu passei nossos cartões, espero que você não se incomode de eu ter pego o seu. – ele disse isso com um leve sorriso no rosto, era bom ver que ele levantava de bom humor.
-Ah sim, bom dia a vocês dois. – as minhas palavras saíram meio atropeladas, pela vergonha da falta de simpatia matutina e pelo fato de o Miro ainda estar com o “pijama” dele, a mini bermuda...
-Bom dia Ângelo. – Miro disse meio zonzo, mas sorrindo. Uma coisa que eu achava estranho nele: era impossível prever o humor dele. Neste momento, por exemplo, eu achava que ele acordaria muito nervoso, mas ele estava calmo.
-Há, bom dia Ângelo, não precisa ficar vermelho.
As palavras do Glaucos provavelmente eram para me acalmar, mas me deixou mais vermelho. Sentei-me à mesa um pouco virado para a parede, enquanto o Miro foi para o banheiro. Ficamos em silêncio durante um tempo, até que o Glaucos sentou ao meu lado com um sorriso estranho no rosto.
-Então Ângelo, você sempre fica vermelho desse jeito?
O sorriso ficou ainda mais aberto enquanto as palavras iam saindo. Eu cobri um pouco o rosto, era muito constrangedor, apesar de ele parecer estar se divertindo.
-Você ainda não respondeu.
Uma criança de 10 anos, passando trote para algum vizinho não faria uma cara de “estou aprontando” mais convincente que a do Glaucos.
-Eu... sou tímido sim.
Procura-se: terra. Preciso enfiar minha cabeça em algum lugar...
-Você gosta dele?
Eu quase engasguei, minha sorte é que eu não estava bebendo nada, se não eu teria cuspido encima dele.
-Não.
Mas eu não tinha muita certeza disso e ele percebeu.
-Ah, sério? Não é o que parece.
Eu nunca gostei de ser um livro aberto e aquilo estava me incomodando bastante.
-Hum, Glaucos, por alguns motivos que eu não quero dizer, eu não posso gostar de ninguém.
Por um momento ele ficou calado e começou a comer um pão. Quando ele terminou o pão voltou a falar:
-Ok Ângelo, me desculpe... não quis invadir sua privacidade.
Não era bem isso... mas talvez fosse melhor ele pensar assim do que saber de tudo que tinha acontecido...
-Não precisa se desculpar... é só que... ah, eu sou meio fechado Glaucos, não me leve a mal, por favor.
-Tudo bem, – ele abriu um grande sorriso – mas devo lhe dizer que nunca vi o Miro tão calmo e atencioso antes de você chegar.
Dessa vez eu engasguei...
-Ah... você acha que...?
Ele inclinou a cabeça para falar mais perto, eu fiz o mesmo.
-Não sei, não pude falar com ele, mas acho que sim.
A porta do banheiro abriu e a conversa cessou na hora, cada um voltando a sentar normalmente. Miro saiu e começou a vestir sua armadura, com o quarto em silêncio. Quando ele acabou, disse:
-Achei que vocês estivessem conversando, estavam falando mal de mim?
Eu me levantei e fui para a minha cama. Glaucos disse:
-Ah, com certeza, já tenho que dar bons costumes pro Ângelo.
Eu ri, ele me olhou e disse:
-Neste caso Ângelo, porque você não fala na minha frente?
Apesar de ele não estar sério, o tom de voz dele estava um pouco carregada, o que demonstrou certa irritação. Fiquei meio surpreso, mas respondi:
-Era brincadeira Miro...
Acho que quando duas pessoas são instáveis e ficam no mesmo espaço, isso não costuma dar muito certo, pelo menos era o que parecia. Apesar de eu nunca ter sido instável, ele que conseguia me tirar do sério...
-Mas você estava falando de mim, certo?
Já que não adiantava mentir mesmo...
-Sim, eu estava falando de você Miro, mas não sei qual é a graça em fazer perguntas que você sabe que não quero responder. Quando eu quiser dizer algo, eu direi e ficaria muito feliz se você não me pressionasse.
Eu precisava parar com essa mania de dizer o que penso! Esse não era o Ângelo, calmo, equilibrado e fechado!
-Foi só uma pergunta Ângelo, não precisava se ofender.
Seu rosto não condizia com as palavras, ele parecia meio estressado também.
-Eu ainda não me ofendi, quando você me ofender você saberá pela diferença climática à sua volta.
Isso o pegou de surpresa, e ao Glaucos também.
-Não precisa disso, dá pra notar quando você está nervosinho.
Eu comecei a ficar mais nervoso, mas respirei fundo e me controlei. Olhei para ele e não disse nada, às vezes um olhar diz mais que mil palavras. Quem retomou a conversa foi o Glaucos.
-Miro, melhor você comer algo, daqui a pouco precisamos ir.
-Ok. – ele disse automaticamente.
Ele sentou à mesa. Fiquei olhando a janela, vendo um sol entre nuvens, o que, provavelmente, implicava em uma queda de temperatura, o que me agradaria bastante.
-Glaucos, tenho uma dúvida.
Eu ainda estava olhando pela janela, contato visual com o Miro não ajudaria enquanto eu me acalmava.
-Pode falar.
-A temperatura por aqui costuma ser alta?
Se tem algo importante, é o tempo. Eu quase fico impossibilitado de usar magia de gelo quando está muito quente, assim como fica muito fácil usá-la em tempos frios.
-Ah, mais ou menos, tem dias quentes e dias frios, é algo balanceado. Por quê?
Bem, era melhor do que uma temperatura muito quente.
-É algo bem importante para mim.
-Ah tá. - seu rosto mostrava que ele ainda não tinha se habituado às mudanças comportamentais de ambos os lados...
O Miro ainda parecia meio irritado, mas enquanto comia, aparentemente, foi se acalmando. Quando ele finalmente acabou, disse:
-Bem, podemos ir.
Eles se levantaram e eu fui em direção à porta. Quando eu passei pelo Miro ele colocou a mão no meu ombro, acho que era um pedido de desculpa. Coloquei minha mão sobre a dele, depois a tirei do meu ombro. Apesar de não querer acreditar no que o Glaucos disse, provavelmente era verdade e eu não estava pronto para isso, não que ele não fosse bonito, mas... ah, eu não queria pensar nisso. Saímos do prédio junto com outras pessoas também com uniforme, eu acenei para a recepcionista quando passamos por ela. Durante todo o caminho eu não vi o espadachim da praia. Andamos durante uns 10 minutos até chegar numa versão maior da minha antiga academia, só que em vez de marrom com detalhes em vermelho, esta era cinza com detalhes em azul. Logo na entrada da academia havia uma placa indicando os blocos de cada classe, era hora de nos separarmos.
-Vou para o bloco dos magos, vejo vocês no almoço?
Eles concordaram com a cabeça.
-Com certeza Ângelo, - respondeu o Glaucos com um sorriso - vou lá, preciso ver as arqueiras da sala.
Eu e o Miro rimos.
-Até mais tarde. - disse o Miro.
-Até. - ambos respondemos.
Dei uma última olhada para trás, o Miro não parecia estar muito feliz, mas eu não podia ver o que estava ocorrendo agora, então me preocuparia com a minha primeira aula.
Ao entrar na sala vi vários magos com o mesmo uniforme que o meu, estavam conversando entre si, em grupos, mas todas as conversas pararam com a minha chegada e todos os olhos estavam em mim, o que fez minhas bochechas ficarem rubras. Atravessei a sala e sentei numa cadeira de canto. Aos poucos as conversas pareceram se restabelecer, mas com um novo assunto: eu. Um mago de cabelo branco com mechas marrons entrou na sala, fechou a porta e ficou de frente para todos, provavelmente era o professor.
-Bom dia a todos, sou Érebo e sou o responsável pelo aprendizado de vocês durante os próximos quatro anos, alguma pergunta?
Aproveitei a deixa para avaliar a sala. Como sempre havia vários magos de fogo e luz, alguns de vento, terra e água, além de um de relâmpago e um de gelo. Não havia outro mago negro na sala, pelo menos até agora, porque assim que eu pensei isso a porta se abriu e algumas pessoas da sala se encolheram um pouco. Um mago de cabelos pretos, com a pele mais clara que a minha e portador de uma aura negra bastante forte entrou na sala. Ele olhou pela sala, os nossos olhares se encontraram e ele veio em minha direção, sentando em uma cadeira que ficava atrás de mim. Provavelmente a proximidade teria feito qualquer pessoa sentir um leve arrepio de medo, mas como eu também usava magia negra foi fácil bloquear os efeitos da aura dele sobre mim. O professor olhou para nós dois e disse:
-Meu jovem, mago de gelo, qual é o seu nome?
Porque eu? Tinha tanta gente na sala...
O mago de magia negra começou a rir, o que era ruim, ele estava lendo minha mente. Eu o bloqueei nisso também.
-Ângelo. - eu respondi, olhando para o professor e tentando esquecer o ser sentado atrás de mim.
-Muito bem, Ângelo, pelo que me consta, você nem sempre foi daqui, certo?
Eu não estava muito confortável para responder e nem precisei, a resposta veio do outro canto da sala.
-É, ele era jolnir.
A voz era grossa e as palavras vieram com um tom raivoso. O dono da resposta era um rapaz de cabelos vermelhos com mechas brancas, bronzeado, um pouco mais forte que os demais. Ele ficou me olhando assim como o Miro fizera ontem. Aparentemente o professor não notou o tom de voz do outro aluno...
-Então, seu aprendizado deve ter sido diferente, conte-me o que você aprendeu até agora e caso alguém não tenha o feito, seja bem vindo.
Ter todos os olhos da sala voltado para mim de novo, e devo ressaltar que não eram olhares de “seja bem vindo, quero ser seu melhor amigo”, era tudo que eu queria...
-Bem... conheço até que bem as magias de levitação, contudo, não tenho conhecimento de magias que não sejam de gelo, ou vento.
Na verdade, eu também conhecia magias das trevas, mas isso não precisava ser comentado...
-Interessante... um tanto quanto diferente do que eu presumo do ensino dos seus colegas de classe, mas vamos ver...
Durante uns 40 minutos o professor foi perguntando aos alunos o que eles haviam aprendido. Pelo que eu escutei o aprendizado deles havia sido realmente diferente do meu, eles não sabiam magias de levitação e poucos sequer conheciam alguma magia mental. Por outro lado, todos conheciam razoavelmente bem todos os elementos, apesar de terem especialização nos seus elementos principais.
Por fim, ele perguntou ao mago negro, o qual era o último da sala.
-E você, meu jovem, - olhando para o mago negro - o que você aprendeu?
Por um momento a sala ficou quieta, até que ele finalmente respondeu:
-Eu conheço muito bem as magias da mente, não sou muito bom com as outras.
Sua voz era baixa, mas decidida.
-Acho que podemos concertar isso, certo?
A voz sugestiva dele ficou clara como sendo a da autoridade da sala.
-Claro professor, sem nenhum problema.
Eu jurava que ele ia fazer um espetáculo, amaldiçoar o professor e depois acabar com todos da sala, como era o de se esperar de um mago negro puro, por isso a resposta calma dele me pegou de surpresa. Com será que ele conseguia se manter tão bem?
-Que bom. Bem, agora já posso montar um esquema de ensino. Como todos conhecem bem seus próprios elementos, então o que preparei para a aula da manhã ainda pode ser dado, vamos para a arena.
Saímos da sala e seguimos por um corredor que cortava o bloco dos arqueiros, vi o Glaucos dentro de uma das salas, ele me viu de relance e acenou.
Estávamos no meio do corredor quando ouvi uma voz perto do meu ouvido.
-Oi.
Virei-me e vi o mago negro, olhando para mim.
-Hum, oi.
As pessoas desse lugar me surpreendiam cada vez mais.
-Tudo bem?
Aproveitei a deixa e tentei vê-lo melhor. Ele era um pouco mais alto que eu, e tinha olheiras fundas... algo que considerei normal, ele devia achar a luz do dia insuportável.
-Sim e com você?
Sabe, apesar da casualidade da minha resposta, eu realmente queria saber o estado dele, de certa forma, eu o admirava pelo excelente autocontrole.
-Também. - ele respondeu.
Assim como eu parecia surpreso ele parecia aliviado.
-Seu nome é Ângelo não é mesmo?
Sua voz sempre doce era algo que eu desconfiava. Parecia feita para ser persuasiva, algo inerente a magos negros.
-Sim e como você se chama?
-Caronte.
Pensando bem, as pessoas não gostavam de mim, e também não gostavam dele, então... fazia sentido ele vir falar comigo, ou pelo menos parecia fazer sentido...
-A sua mente não é fácil de entrar.
Aquilo era algo que eu não esperava ouvir, sutileza não era o forte dele.
-Ah... bem, eu sei me proteger.
E talvez fosse melhor não contar o porquê.
-As pessoas não costumam gostar de pessoas diferentes.
Algo no seu discurso me dizia que ele queria algo...
-É, eu sei.
Era um alívio ver que alguém me entendia, mal sabia ele que me entendia melhor do que qualquer um ali. Porém, a todo momento ele parecia meio sério, como se não soubesse como sorrir.
-Então... acho que eu nunca fui muito bom com minha parte social... estou indo bem?
Enquanto ele falava seu rosto ficou menos sério e eu quase vi um sorriso.
-Creio eu que sim, - um sorriso brotou no meu rosto, ele era parecido comigo - você é tão bom quanto eu para isso, o que quase te torna um fiasco.
-Ah...
Ele começou a rir, o que pareceu uma vitória para mim.
-Pois é, ainda não consegui dar oi e a pessoa sair correndo, mas só está faltando isso.
Ambos rimos. Era estranho vê-lo sorrindo, como se não o fizesse há meses.
Continuamos andando até chegar na frente de uma grande porta dupla de aspecto antigo, o que cessou nossa conversa. Quando o professor a abriu, pude ver a grande arena, ainda maior do que a da academia que eu tinha aula. Eu estava tão maravilhado com aquilo que me assustei quando ele começou a falar.
-Magos costumam ser poderosos, mesmo que sozinhos, mas quando se unem são uma arma ainda mais poderosa. Por isso vou ensinar uma magia de complementação. Magias de complementação são as que usam elementos opostos, onde cada elemento vem de um dos magos envolvidos, obviamente. Mas para isso, deve-se estar em sintonia com a outra pessoa, se não, podem ocorrer coisas bem desagradáveis.
Enquanto ele falava, todas as pessoas prestavam toda a atenção que conseguiam, pois, fazer uma magia de forma errada podia ter consequências terríveis...
-A magia de hoje é a de cura. Quando dois magos entram em sintonia e estão possuídos pelo sentimento de amor ao próximo, eles podem fazer uma cura extraordinária, mesmo que não seja envolvido um mago de luz.
Ele começou a olhar todos da sala, demorando um pouco mais olhando para mim. Paranoia, paranoia, o mundo não gira em volta do seu umbigo Ângelo. Eu fiquei recitando esse mantra internamente até o professor apontar para o Caronte.
-Caronte, não é? Poderia vir aqui?
Ele começou a andar em direção do professor, enquanto os outros tentavam ficar o mais longe que puderam dele. Quando ambos estavam frente a frente, o professor estendeu os braços para frente.
-Caronte, faça o mesmo.
E ele fez. Então o professor segurou o antebraço do Caronte, e o Caronte segurou o antebraço dele, fazendo uma espécie de corrente.
-Muito bom. Vejam, essa é a posição de ligação, é uma das melhores formas de conexão de magias. Agora Caronte, pode indicar alguém que você consiga sentir algum afeto? Nem que seja a mais simples amizade?
-Ângelo.
A resposta dele foi curta e precisa. Eu não sabia como reagir, as pessoas ficaram olhando para mim de um jeito diferente, curiosos.
-Está certo, – continuou o professor – vamos curá-lo então. Mas antes ele precisa de um machucado.
Eu queria não pensar na quantidade de voluntários que queriam realizar esta tarefa, mas os olhares não conseguiam esconder muita coisa. Para azar deles, e fui mais rápido. Arregacei a manga do quimono, segurei meu antebraço direito com a mão esquerda e disse:
-Congelar.
Meu antebraço ficou muito mais frio do que normalmente era, eu deixei aquela sensação por alguns segundos, até ver um filete vermelho, indicando que o gelo estava rachando minha pele. Parei a magia e deixei meu braço voltar à temperatura normal, fazendo com que o sangue voltasse a ser líquido e começasse a escorrer. Não era muito e não tinha doído tanto.
Os outros ficaram meio transtornados com minha frieza com o corte, mas como eu sabia que seria curado logo, não tinha razão em ficar choramingando.
O professor voltou sua atenção para o Caronte, o qual acenou com a cabeça.
-Você está pronto? Lembre-se: você deve estar em sintonia comigo.
-Ok. - ele respondeu.
E então começou. A magia negra fluía do Caronte, como um laço preto assim como a luz fluía do professor, como um laço branco. E ambos os laços se complementavam, nunca se chocando, sempre estando lado a lado. Era uma cena muito bonita de se ver. Até que os dois laços se transformaram numa névoa, a qual veio em minha direção. Quando a névoa me tocou, senti alegria, era como se alguém estivesse me abraçando. O corte no meu braço foi se fechando, até que o braço voltou ao normal. E a névoa começou a desaparecer.
O professor e o Caronte se soltaram e o professor voltou a falar:
-Obrigado pela ajuda Caronte, você foi ótimo.
Ele acenou e voltou a ficar longe dos outros.
-Como vocês puderam ver, - continuou o professor – em pouco tempo fizemos uma boa cura, mesmo usando a magia negra. Mas vamos ver como acontece com outros elementos. Venham aqui Pharos e Ângelo.
Para minha enorme felicidade, Pharos era o cara que tinha dito que eu era jolnir... isso não ia dar certo...
-Bem, eu sei que talvez isso seja difícil, mas tentem me ver como um amigo. – o professor disse rindo.
Na verdade, ele parecia bastante legal, eu não teria dificuldade em fazer isso, exceto pelo fato de estar fazendo isso ligado a um cara que me odeia sem me conhecer.
Ficamos de frente um para outro enquanto professor tirou uma pedra afiada do bolso e fez um pequeno corte no braço.
-Ok, comecem a magia.
Estendemos os braços e ficamos naquela posição de corrente. Pensei no professor e em como eu queria curar o braço dele, porque ele parecia ser uma boa pessoa. Fazendo isso a magia de gelo começou a fluir, enquanto senti o fogo o seguindo. O Pharos segurava meu braço com força e não parecia que ele estava tentando emanar felicidade.
As coisas começaram a dar errado quando eu notei que ele libertou a luz, e ela estava fortalecendo o fogo, fazendo um desequilíbrio entre o fogo e gelo. Pude sentir a temperatura aumentando e minha magia sendo destruída pouco a pouco. Era impossível pensar em ajudar alguém quando ele parecia estar tentando me machucar!
Tentei forçar o gelo a ter mais força, mas não conseguia. A magia negra pulsava dentro de mim. O calor começou a ficar forte demais, até que eu senti a primeira queimadura no meu braço, exatamente onde ele estava me tocando. A dor foi muito forte, aquilo explodiu na minha mente, trazendo à tona toda a raiva que eu tinha guardado.
A magia negra se libertou.
Vi de relance os olhares assustados das outras pessoas. Foi quase como se a magia negra explodisse, dando força ao gelo. Mas isso não durou muito, o gelo entrou em sintonia com o fogo e a luz com a escuridão e estávamos envoltos de quatro laços interligados. Minha raiva pulsando pelo meu sangue e eu podia sentir o mesmo dele, mas agora também havia o medo. Ele não esperava pela magia negra.
Ficamos nos encarando por um tempo, até que a minha raiva começou a passar, e seu rosto demonstrava que ele também estava ficando calmo. Quando ficamos calmos ao ponto da confusão a magia cessou.
Soltei-me dele e tomei distância, pronto para me defender de mais algum ataque. Mas o professor colocou uma pedra entre nós.
-O que você pensa que está fazendo?!
O rosto do professor estava enraivecido, até mesmo a magia negra não fez eu deixar de ter medo. Mas ele não estava gritando comigo, e sim com o Pharos.
-Você poderia ter provocado uma explosão, se tivesse continuado! Esse tipo de magia não deve ser feita com raiva, você tem ideia do quão irresponsável você foi?! Vamos falar com a diretora agora! O resto de vocês fiquem aqui.
Durante todo o discurso eu não tinha visto o rosto dele, quando eles passaram por mim eu vi raiva e tristeza em seus olhos. Depois que eles saíram eu arregacei minhas mangas, meus dois braços ardiam...
O Caronte foi o primeiro a chegar perto de mim.
-Cara, você está bem?
Eu não tinha muita certeza, só sabia que meu braço ardia, e muito.
-Não sei, só meu braço está ardendo, fora isso, acho que tudo bem...
Uma maga de água, de cabelo amarrado chegou perto de mim aos poucos, tentando se esquivar dos efeitos da aura negra.
-Eu posso te curar, – ela começou - se você quiser.
Eba, dois magos que não queriam minha morte, já era um avanço.
-Se você puder, eu ficaria agradecido...
Ela tirou uma pequena sacola de couro do bolso, e a abriu, virando-a encima do meu braço, fazendo com que a água que estava dentro molhasse minhas queimaduras, o que fez arder mais ainda.
-Já vai passar, relaxe um pouco.
Fiz o que ela me pediu e ouvi uma pequena canção, a qual ela estava entoando. A água começou a entrar na pele queimada, restabelecendo a vida do tecido. A ardência parou.
-Muito obrigado... – eu disse, sorrindo. Magos de água costumavam ser muito dóceis e bons com os outros.
-Ligeia. - ela disse, enquanto sorria.
-Obrigado Ligeia, de verdade.
Ela acenou e voltou a tomar distância, indo falar com uma maga de cabelos brancos que parecia feliz com o que ela tivera feito.
Voltei minha atenção ao Caronte, o qual disse:
-Agora entendi porque sua mente é difícil de entrar, e mudar seus sentimentos é quase impossível.
Eu realmente não queria que soubessem da magia negra... mas ver o Caronte me deu alguma esperança de que talvez não fosse ser tão ruim assim... E caramba! Ele mudou meus sentimentos! Isso era muito difícil de fazer... aparentemente ele era mais forte do que eu esperava.
-Você realmente fez isso?
Ele pareceu meio envergonhado com minha pergunta.
-Sim... o professor me pediu para acalmar vocês dois. O outro lá foi fácil, mas sua raiva não queria sair de jeito nenhum.
Agora eu tinha entendido. A raiva estava alimentando a ligação, já que os dois estavam com raiva, mas o alvo de um era o outro, por isso ninguém foi, muito, ferido. Daí para quebrar a magia, o professor pediu para o Caronte tirar a raiva dos dois, o que fez a magia perder a força e morrer. Nesse momento o professor chegou e dessa vez veio falar comigo.
-Você está bem? Não se machucou?
Eu fiquei me perguntando onde estava a ferida que ele havia feito, mas como ele era um mago de luz, ele mesmo devia ter se curado...
-Eu me machuquei, mas a Ligeia já curou a queimadura.
Seu rosto estava indecifrável, parecia que ele estava nervoso, triste, arrependido e preocupado, mas tudo ao mesmo tempo.
-Sinto muito por isso, não vai acontecer de novo...
Eu podia sentir a dor em suas palavras, mas não era culpa dele, eu era um mago que usava magia negra e morei em Jolnir por toda minha vida... eu não esperava completa aceitação aqui... E apesar disso, até agora fui muito bem tratado pela maioria.
O professor se dirigiu à sala dessa vez:
-Vocês estão dispensados, por hora. Estejam aqui depois do almoço. Podem visitar nossa biblioteca ou se enturmarem, já que vocês eram de salas ou lugares diferentes.
A sala começou a se dispersar, só restando eu, o Caronte e o professor na arena.
-Obrigado Caronte, muito obrigado mesmo. - disse o professor.
Ele demorou um pouco para responder, o que eu entendi como o fato de ele se perder em pensamentos com tanta facilidade quanto eu.
-Ah, por nada.
O professor respirou fundo e foi para fora da arena também, aquilo o tinha estressado bastante...
-Caronte, isso acontece frequentemente?
Ele me encarava, seus olhos pareciam que podiam me atravessar e ver através de mim, o que realmente aconteceria se eu permitisse.
-O fogo faz as pessoas ficarem instáveis, como você sabe... mas o fato de você ter sido jolnir foi o ponto mais forte dele ter começado isso, ele perdeu o pai numa guerrilha a muitos anos atrás, e sua presença fez a dor dele ficar bem mais forte, até ele querer se vingar em você.
Aquilo fazia sentido, mas como ele sabia disso?
-Como você...?
Eu nem precisei terminar a frase...
-Nem todos conseguem se defender como você. Na verdade, das pessoas da nossa idade, você é o único que consegue me bloquear.
Agora as coisas começavam a fazer mais sentido. Mas isso não era bom. Se eu fui atacado dentro da academia, as coisas poderiam ser ainda piores fora dela... eu precisava ficar atento...
-Mas Caronte... - perguntar coisas indelicadas nunca foi meu forte... - você não se sente... mal... por ler o pensamento das pessoas?
-Eu não faço isso toda hora, - ele disse, me avaliando – só quando é necessário, ou quando me é útil.
Bem, eu fazia o mesmo, então acho que não era tão ruim assim...
-Você tem bastante magia negra, mas não sabe usá-la. Por quê?
A naturalidade com ele falara aquilo me assusto um pouco. Não era tão simples, as pessoas não gostavam, tinha efeitos colaterais, e tudo mais. Além de que na outra nação eu tentei esconder do mundo, aqui isso tinha sido um total fiasco.
-Bem, a represália sempre foi bastante forte...
Algo na sua expressão séria me disse que ele sabia e se importava tanto com isso quanto uma criança de 2 anos se importa com os avanços da Física Quântica.
-Se você soubesse usar sua magia melhor e não tivesse medo de usá-la, não teria se machucado. Além disso, é melhor você fazer as pessoas a sua volta criarem barreiras psicológicas próprias por causa da presença da sua magia negra do que elas estarem despreparadas no caso de um ataque da Penumbra.
As verdades cuspidas na minha cara agora foram como uma sucessão de tapas na cara. Tudo que ele disse fazia todo o sentido, mas era lógico demais para ser engolido facilmente.
-Podemos mudar de assunto? - eu pedi.
-Claro, sem problemas. – ele disse, ainda usando seu tom de voz casual.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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