Durante o resto do tempo até o almoço ficamos conversando sobre as diferenças das nações, e ele não disse mais nada sobre a magia negra. Eu contei como era viver em Jolnir e ele me contou como era viver em Delfos. Pude perceber, pela nossa conversa, que não havia tantas diferenças assim, um pouco do governo e do ensino eram diferentes, além de detalhes como formas de construção e prioridades, mas as nações não eram tão opostas quanto me fora dito. Um sinal soou, que eu presumi que fosse do almoço.
-Ângelo, vou à biblioteca, almoço depois.
Eu também queria ir, mas prometi almoçar com o Glaucos e o Miro.
-Tudo bem, até depois.
Despedimo-nos e eu segui os magos que estavam por ali por perto. Aqui eles não flutuavam por nada, fiquei me perguntando o porquê disso. Andamos por um corredor com várias portas indicando secretaria, salas de equipamentos e por último havia quatro salas um pouco destacadas, cada uma era a diretoria de uma classe. Quando eu passei pela porta escrita "Diretoria dos Magos" a porta se abriu e Aglaope saiu de lá, olhou surpresa para mim e sorriu.
-Bom dia Ângelo, que surpresa em vê-lo, está tudo bem com você?
Ela estava tão perturbada quanto o professor e de relance vi o Pharos dentro da sala, seu rosto estava baixo.
-Bom dia, estou bem, não se preocupe. Devo te chamar de diretora?
Após minha recente quase represália pelo Orpheu, títulos ficaram como um grande ponto de interrogação na minha cabeça.
-Não precisa, pode me chamar pelo meu nome mesmo, perdoe-me pelo último acontecimento...
Algo em sua voz me lembrou minha mãe falando...
-Não se preocupe, de verdade, contudo preciso ir almoçar.
A sala da diretoria dos arqueiros se abriu e outro rosto conhecido saiu de lá, era o arqueiro que foi com Orpheu para Sariku.
-Aglaope, vamos almoçar?
Ele se assustou um pouco ao ver que ela não estava muito feliz.
-Claro Équion, só um momento. Ok Ângelo, bom almoço e me desculpe de verdade.
Acho que como responsáveis pela minha estadia aqui, eles estavam se sentindo absurdamente mal por terem me deixado em perigo, mas eu não gostava de pessoas se preocupando comigo, eu podia me cuidar...
-Hum... obrigado.
Ela piscou para mim e voltou para dentro da sala, pedindo para o arqueiro entrar também. Eu segui o corredor até chegar à grande sala que era o refeitório.
Assim que entrei no refeitório algumas pessoas próximas pararam de andar e logo em seguida lançaram olhares fulminantes, eu havia esquecido que as outras classes não suportam a magia negra tão bem quanto os magos. Repreendi a magia negra como uma resposta aos olhares e continuei andando, procurando o Glaucos ou o Miro. Não foi difícil encontrá-los, eles estavam ao lado de uns brutamontes, que presumi que fossem amigos do Miro. Uma coisa interessante era que apesar do Miro ser grande, aqueles guerreiros eram ainda maiores que ele. Fui em direção a eles, mas logo pude perceber que o clima não parecia dos melhores, o Glaucos estava ao lado do Miro, o qual parecia estar se controlando para não avançar num guerreiro de cabelos azuis escuros. Aparentemente aquele guerreiro era o "líder", pois estava ladeado por outros dois guerreiros. Os três riam e pelo que parecia era do Miro. Continuei indo em direção a eles, até que consegui ouvir sobre o que eles falavam.
-Bons tempos Miro, - o guerreiro de cabelos azuis disse com um sorriso no rosto - você não mudou nada, continua a mesma mocinha fraca.
-Ok Miro, vamos sair daqui. - pude ouvir o Glaucos dizendo.
-O que está acontecendo aqui? - eu disse, fuzilando os três guerreiros com o olhar.
-Você tem mais um amiguinho? E é o mago jolnir! - Ele gargalhava enquanto falava - Eu não sabia que você tinha descido tanto de nível assim.
O rosto do Miro ficara vermelho, eu não podia deixar que ele fizesse isso.
-E apesar disso o mago ex-jolnir te coloca pra beijar o chão em dois tempos. - Eu disse, em tom de deboche.
O Miro e o Glaucos empalideceram, já o guerreiro dos cabelos azuis não gostou muito do desafio. Andou até a minha direção, segurou meu quimono e me tirou do chão com uma mão.
-Solte-me.
Dar ordens a alguém enquanto se está suspenso no ar não é muito desafiador, mas lidar com pessoas maiores que você fazia parte da rotina de um mago.
-Você não está em posição de ordenar nada maguinho, mas vou fazer com que você se lembre de mim.
Seu sorriso ficou maior e ele fechou as mãos num punho um tanto quanto ameaçador, mas certas vezes há coisas piores do que um olho roxo e ele ia experimentar isso.
-Eu também vou e você se lembrará para o resto da sua vida.
Libertei a magia negra, instantaneamente pude sentir os dedos afrouxando um pouco.
-Vamos brincar, - um sorriso maldoso surgiu no meu rosto - Pesadelo.
Entrei na mente dele, a qual era um pouco mais complexa do que de costume, mas ainda assim não foi um desafio achar a porta dos medos. Entrei numa sala que ia diminuindo cada vez mais: ele era claustrofóbico. Coloquei uma imagem na sua mente, todo aquele salão com as portas fechadas e se compactando, as paredes vindo em sua direção, o teto baixando. O desespero tomou conta dele, pude sentir seus dedos afrouxando e eu voltando a colocar os pés no chão. Mas eu não ia parar agora, ele ia pagar pelo que disse. Mas uma mão no meu ombro me deu um solavanco que tirou totalmente minha concentração. Para meu azar a mão pertencia ao diretor guerreiro.
-Estamos tendo algum problema aqui?
O tom da sua voz era de uma autoridade extrema.
-Não senhor. - eu disse.
-Ótimo, então guarde sua aura pra si mago e não quero que você faça confusão de novo, estamos entendidos?
Ele continuou me encarando, como se eu estivesse prestes a atacá-lo também...
-Hum... claro, sem problemas.
De relance vi o Glaucos e o Miro suspirando aliviados, acho que eu quase me meti num problema e só eu não tinha notado isso ainda...
-Ótimo. - ele respondeu, se virou e voltou para a mesa à qual estava almoçando. O guerreiro de cabelos azuis estava tremendo, acho que causei uma boa impressão com ele.
-Nos vemos por aí. - eu disse, recolhi a magia negra e puxei o Miro e o Glaucos para uma mesa ao canto. Eles começaram a me olhar um pouco assustados, mas o Miro começou a criar um sorriso no rosto.
-Ângelo... o que você fez?
Ao mesmo tempo que ele estava tenso, ele parecia extasiado, talvez ele já quisesse ter feito isso, mas nunca tivera coragem. Não que eu fosse muito corajoso. Na verdade, pensando agora, foi uma atitude impensada. Mas eu não queria vê-lo atormentando o Miro...
-Ah nada demais, só o fiz ver um dos seus medos, mas porque eles estavam te atormentando?
Eles se entreolharam, depois o Miro me deu um abraço apertado e quando eu digo apertado, é apertado mesmo... doeu.
-Miro... acho que estou ficando sem ar.
Ele se deu conta, e aliviou um pouco o aperto.
-Ah, desculpe.
O jeito que ele envolveu os braços em volta de mim, colocando minha cabeça encostada no seu peito pareceu muito com... Ah, não, eu não ia pensar nisso de novo. Eu não queria pensar nisso. Tentei me focar na discussão sobre o guerreiro e lembrei que eu não tinha entendido o porquê de eu ter precisado defender o Miro...
-Mas eu ainda não entendi, por que ele estava te atormentando?
Depois de o Miro me soltar, ele se ajeitou na cadeira e começou a contar:
-Ângelo, o Crisaor...
Nomes estranhos...
-Crisaor é o guerreiro da água?
-Isso, o que você...
Seu sorriso cresceu mais uma vez, eu estava começando a me sentir envergonhado com isso.
-Ah, tudo bem, continue.
-Ele me atormenta desde... sempre. Ele sempre ganha de mim em treinos e coisas do tipo, além de ter equipamentos melhores, ser maior, etc.
Olhei para o Glaucos e ele acenou a cabeça, como um sinal de confirmação do que o Miro havia dito.
-Desde que eu conheci o Miro, Ângelo, o Crisaor implica com ele.
Que coisa estranha, porque ele teria feito isso sem motivo? Não, isso não estava certo, não é porque eles não sabiam o motivo que isso implicava em não haver um motivo.
-E vocês sabem o porquê?
-Não. - disseram em uníssono.
Uma vaga lembrança veio à minha mente naquele momento, a minha primeira impressão com o Miro, a raiva que ele tinha de mim, então era por isso, ele sabia que seria ruim me ter por perto...
Minha cabeça abaixou um pouco, eu não queria ser um problema para eles.
Ambos perceberam minha mudança de humor. Para meu azar o momento em que o Miro segurou meu queixo e o levantou, fora o mesmo que a lágrima escolheu para descer do meu rosto.
-Ângelo... o que aconteceu?
Tudo que ocorrera ontem voltou à minha mente, como um filme. “Motivo de piada”, “Estou tendo alguns problemas”, agora tudo se encaixava...
-Era por isso que você ficou tão transtornado quando me viu, você não queria que eu fosse mais um motivo para risos...
Era como se o mundo tivesse parado por alguns segundos. Tudo fazia eu me sentir péssimo, acho que meu eterno fardo, no fim das contas, era viver sozinho.
-Sim, meu jovem, este mundo à sua volta não lhe pertence. - disse uma voz na minha cabeça.
-Quem está falando?
Eu estava assustado, olhei para os lados e não vi ninguém me olhando...
-Um amigo.
E quem me garantia que eu tinha algum?
-E se eu não tiver amigos?
Uma gargalhada ecoou em minha mente.
-Já está no caminho certo.
Senti um enorme solavanco.
-Ângelo?! - a voz do Miro parecia desesperada e ele estava quente, muito quente!
-Estou, mas... você está absurdamente quente.
Olhei para o lado e o Glaucos parecia perdido em pensamentos, só então percebi o porquê. Minha aura estava muito intensa, tanto a de gelo quanto a das trevas, o que me deixou muito confuso. Contive a magia de gelo e reprimi completamente a magia negra. O Glaucos voltou a si e a temperatura do Miro baixou. Coloquei a mão no meu rosto e havia uma pequena gota congelada na minha bochecha, era a minha lágrima?
-Miro... - eu estava ofegando... - por favor, me diga o que aconteceu.
-Você disse... sobre quando nos conhecemos e acho que você começou a chorar. Depois disso você parecia não enxergar mais nada e seu corpo ficou meio mole, até que suas auras começaram a ficar muito fortes, principalmente a negra. Eu comecei a balançar você, mas demorou um tempo para você reagir.
O Glaucos olhou para mim de uma forma que eu nunca havia visto antes, havia medo em seu olhar, muito medo.
-Glaucos... - as palavras quase não conseguiam sair - eu... sinto muito, eu não quis...
-Tá tudo bem Ângelo, - sua voz estava meio distante - não foi nada.
Não era isso que seu rosto indicava, parecia que ele havia passado por uma sessão de tortura psicológica, o que eu não duvidava que pudesse ter acontecido.
-Glaucos, vou fazer você esquecer isso, seja lá o que você tenha visto... mas você vai ter que me ajudar.
Ele me olhou com dúvida no olhar, mas assentiu com a cabeça. Coloquei minhas mãos no rosto dele e me concentrei.
-Abra.
Coloquei-me dentro da mente dele. Era um salão em estilo grego, e havia várias portas, cada uma com uma barreira de uma cor, o que me deixou meio confuso, eu nunca tinha visto algo daquele jeito.
-Glaucos, onde estão suas lembranças?
-Atrás daquela barreira azul.
Como as portas seguiam os espectros do arco-íris, foi fácil achá-lo. Fui até lá e fiquei de frente para a parta, mas provavelmente eu teria que fazer algo para entrar...
-E como faço para atravessá-la?
-Não tenha pensamentos negativos.
Não ter pensamentos negativos não era algo fácil depois do que aconteceu, apesar de eu não saber bem o que aconteceu, mas eu tinha que tentar. Limpei minha mente e atravessei a barreira. As lembranças são coisas extremamente bem protegidas nas mentes das pessoas, esta parte da mente tem uma proteção muito forte e é extremamente arriscado tentar entrar sem ser convidado. Ao entrar pude notar uma movimentação de lembranças roxas ao meu lado: eram memórias recentes. Coloquei-as em minhas mãos.
Agora eu estava num palácio branco muito bonito, o Glaucos estava num sofá com outras três pessoas, eram seus familiares. Eles conversavam felizes, até que o chão começou a tremer e as paredes a rachar, parecia ser um terremoto muito forte. Todos correram desesperados. O Glaucos conseguiu sair do palácio a tempo, mas os outros não. Ele se ajoelhou e deslumbrou as ruínas que eram, antigamente, sua vida. As lágrimas irromperam de seu rosto... e do meu também.
Saí daquela lembrança, eu ainda a tinha em minhas mãos. Esforcei-me e quebrei a lembrança, a nuvem roxa se desfez e sai da mente dele. O ruim de destruir lembranças ruins dos outros é que você fica com elas para si.
Ele tinha um olhar um pouco vago, o que era normal, já que eu mexi com a mente dele. Depois de uns 3 segundos ele me olhou com o sorriso bobo dele.
-Ângelo, você me fez algo bom, não é?
Sua voz era quase infantil.
-Acho que sim.
Olhei para o Miro, que ainda estava meio confuso com a situação e disse:
-Eu também não sei o que aconteceu.
Eu não reconheci aquela voz, mas... não são muitas pessoas que conseguiriam entrar na minha mente...
-Sobre ontem... - o Miro disse, quebrando minha linha de raciocínio. Sua voz estava baixa, o que não era normal nele.
-Não precisa falar nada não, eu vou esquecer isso.
Era mentira.
-Achei que tinha pedido pra que não mentisse pra mim.
Seu olhar indicava um pouco de raiva, mas havia ali mais angústia do que qualquer outra coisa...
-Eu vou tentar esquecer...
Não era bem uma mentira, ele só não precisava saber que eu não ia conseguir.
-Acho melhor comermos algo, - eu comecei - já tive emoção suficiente para um almoço.
Levantei-me e fui até a mesa onde serviam a comida. Eles me seguiram. Fui pegando coisas que nunca havia visto na vida, sob a supervisão do Glaucos, que me dizia o que eu podia e o que não podia comer. Devo dizer que ele conhecia culinária muito bem. Comemos tentando esquecer os últimos acontecimentos, apesar de o sorriso no rosto do Miro deixar claro que ele não havia se esquecido do que eu fiz com o Crisaor. Contamos uns aos outros nossos respectivos inícios de aula. Quando o Glaucos estava acabando de falar sobre o monte de coisas que ele vai ter que treinar o sinal soou novamente, precisávamos voltar às salas.
-Encontro vocês na entrada às 18h? - eu perguntei
-Ok - disse o Miro, ainda com um sorriso no rosto.
Eu comecei a ficar vermelho, não sei por que, talvez fosse pelo jeito como ele estava me olhando. Ele piscou para mim e foi em direção à sala dele, o Glaucos sorriu e também foi para a sua sala e eu, sem ter outra opção, cansado mentalmente depois de usar tanta magia negra em pouco tempo e envergonhado por esta última cena, também fui para minha sala.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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