Eu precisava me concentrar na minha própria missão, mas era impossível não pensar na Carol.

-Concentre-se Marcello, por favor.

-Achei que você só usasse magia negra quando necessário.

-Saber o que te deixa tão fora de si quando estamos para enfrentar o teste em dupla é algo bastante importante.

-Vou me concentrar, relaxa.

-Se quiser ajuda...

-E como você poderia me ajudar?

Ele suspirou.

-Eu deveria me sentir ofendido, mas não vou. A partir do momento que um mago usa magia negra, ele pode fazer mais do que só ler sua mente, acredite. Não que seja fácil, mas quando a outra pessoa permite não é muito complicado.

-Tudo bem, mas você consegue fazer eu voltar ao normal depois?

-Sim, seria horrível te deixar focado em batalhas para sempre, não sou da Penumbra para fazer tal coisa. Além disso, o efeito vai acabar por si só.

Penumbra era uma terceira nação que não considerávamos na escolha das nações por dois motivos. Um porque o povo da Penumbra só possuía adeptos à escuridão, e segundo porque apesar das diferenças entre as nações Oriental e Ocidental, ambos queriam o bem, enquanto a Penumbra sempre quis destruir a tudo e a todos.

-Eles fazem isso?

-Eles fazem bem pior que isso.

-E como você sabe?

-Acho melhor eu fazer a magia.

-Eu não sei se quero.

-Você não confia em mim?

A primeira coisa que eu iria dizer seria um sonoro não, mas eu tinha que confiar na pessoa que faria o teste comigo, e também tinha que confiar no que meu coração dizia.

-Pode fazer.

-Tem certeza?

-Sim, tenho, mas antes quero tirar uma dúvida.

-Diga.

-O que seu professor ensinou nas últimas aulas?

Acho que esse era o tipo de pergunta que ele não esperava, afinal ele ficou meio pensativo por um momento, mas depois falou.

-As últimas aulas foram sobre propriedades sentimentais. O professor estava explicando como os sentimentos conseguem afetar a magia. Disse coisas como: "Um sentimento puro, sincero e forte, associado à magia pode realizar milagres". É claro que eu me senti mal, porque eu consigo melhor do que ninguém observar os sentimentos alheios, mas...

De repente eu não queria ter feito aquela pergunta, ele olhou pra baixo de forma que eu não conseguia ver seu rosto direito.

-...não conseguir controlar os próprios sentimentos... como agora.

Então eu vi, uma lágrima escorrendo pelo seu rosto. Eu sempre soube que ele era solitário, e era óbvio que era discriminado, mas só agora eu puder ver o quanto aquilo era um peso pra ele.

-Sabe, é muito difícil ignorar metade de mim, ignorar metade da magia que possuo. E não só ignorar, como inibir. Mas quem liga não é mesmo?

Isso não era bem verdade, eu me importava com ele...

-Ângelo, eu ligo, não quero que você fique mal, eu... gosto de você.

Ele, aos poucos, conseguiu parar, levantou a cabeça, me olhou fixamente, secou a lágrima com a manga do quimono dele e me beijou no rosto.

-Eu também gosto de você, muito, mas não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida.

-Do que você está dizendo?

-Acho que agora é a hora de eu lançar a magia, e aí você descobrirá o porquê.

O cabelo dele adquiriu mechas negras e seus olhos ficaram mais escuros. A aura que emanava dele me fazia tremer de medo, e parecia que o calor do meu corpo estava indo embora.

-Por favor, acalme-se, eu estou aqui, e nada de mal vai te acontecer.

As sensações diminuíram um pouco, mas eu ainda não me sentia muito bem.

-Vou tentar ser rápido, achei que espadachins fossem mais resistentes à magia, desculpe.

Ele fechou os olhos, e colocou as pontas dos dedos na minha testa. A sensação seguinte foi de estar sendo imobilizado por magia, de repente eu não conseguia fazer nada. No instante seguinte eu achei que a Carol iria conseguir, e que eu precisava conseguir também, afinal era meu sonho.

-Ok, você é bom nisso.

-Muito obrigado.

Ele voltou a ser o mago de gelo, inibindo a magia negra, e continuamos andando em direção ao bosque.

Andamos durante uns 15 minutos seguindo o mapa que nos haviam dado, e chegamos à entrada. Parei, olhei pra ele e disse:

-Bem, é agora, está preparado?

-Agora sim, independente do que aconteça. Hora de usar a magia a nosso favor.

-Magia de suporte?

-Exatamente, prepare-se, elas não duram tanto tempo.

-Ok, manda.

-Movimento do vento¹, Visão de águia², Regeneração vital³, Fortalecer, Amplificação arcana.

-Agora sim, vamos lá.

Entramos no bosque, e ele estava quieto, mas nós já sabíamos o que esperar e não tardou para aparecerem os monstros. Vieram duas plantas carnívoras e uma toupeira do bosque.

Ângelo se concentrou e bradou:

-Congelar.

E ambas as plantas ficaram presas ao chão. Aproveitei o momento para atacar a toupeira.

-Lâminas Duplas!

Minhas duas espadas atravessaram a toupeira. Mas as plantas se libertaram e vieram em minha direção.

-Marcello, fique atrás de mim, rápido!

Desviei-me dos ataques das plantas e corri pra trás do Ângelo, que estava extremamente gélido. Sua aura de gelo estava muito mais intensa agora, a qualquer momento ele evocaria uma magia de gelo forte.

-Zero Absoluto!

Uma névoa branco-azulada partiu em direção às plantas, congelando tudo que encontrava em seu caminho. As plantas jogaram frutos envenenados, os quais ao tocarem a névoa congelaram e caíram. E o mesmo aconteceu às plantas quando a névoa as alcançou, elas foram congelando lentamente até que viraram duas esculturas de gelo.

-Ufa, pronto.

-Agora você já pode aumentar a temperatura?

-Não posso, desculpe...

-Vou dar meu jeito então. Espadas flamejantes.

Com as espadas em chamas as coisas ficaram um pouco menos frias.

-Agora sim, podemos continuar.

-Ok.

Adentramos mais no bosque, sempre atentos, pois a qualquer momento encontraríamos o chefe, e era isso que precisávamos fazer: derrotá-lo e levar uma prova disso. Não demorou muito para achá-lo, ele estava numa clareira, era uma árvore, e estava rodeado por três gnomos. Então eu sussurrei:

-Como vamos fazer?

-Dê-me cobertura que eu sei o que fazer, mas vai demorar um pouco e será bem desagradável.

Mas para nosso azar um dos gnomos nos viu.

-Marcello, agora!!!

Novamente eu o vi com as mechas negras, e novamente a sensação de frio e medo tomaram conta de mim, porém com mais força dessa vez.

-Concentre-se, por favor, você precisa se defender.

Dois gnomos vieram correndo em minha direção, mas pararam por um instante no meio do caminho, pelo menos a aura não atingiu só a mim.

-Acho que o efeito da Concentração passou, vamos lá, Concentração!

Consegui me focar nos gnomos, mas aparentemente eles também voltaram a si, e mudaram de alvo.

-Esperem aí, vocês vão lutar comigo!

Corri pra perto do Ângelo até que fiquei entre ele e os gnomos.

-Ótimo, vou começar a evocação.

Os gnomos, usando suas adagas, investiram contra mim. Defendi-me usando as espadas e revidei.

-Tornado ardente!

Girei usando as duas espadas acertando um dos gnomos na cabeça, enquanto o outro desviou e contra atacou, fazendo um corte na minha perna, que começou a queimar de dor. Mas eu não podia pensar nisso agora.

-Impulso feroz!

Impulsionei a espada pra frente rapidamente, perfurando o peito do gnomo. Porém quando virei pra enfrentar a árvore fui acertado por uma pedra evocada por ela. Cai pra trás meio atordoado quando a árvore lançou outra pedra, e eu não ia conseguir me desviar com a perna com um corte daqueles!

-Parede de gelo! - bradou o Ângelo.

E uma parede de gelo surgiu entre eu e a pedra, fazendo com que a pedra batesse na parede e ambas quebrassem.

-Para trás Marcello.

Corri pra trás sentindo minha perna ardendo de dor a cada passo. Virei-me a tempo de ver o gnomo correndo em direção ao Ângelo, a árvore evocando veneno e finalmente, Ângelo, que estava coberto por uma aura azul e negra bastante forte.

O que aconteceu a seguir foi muito rápido, a árvore lançou a magia venenosa e o gnomo pulou para atacá-lo.

-NEVASCA DAS TREVAS!!!

Um vento gélido inundou a clareira trazendo uma neve escura que jogou o gnomo pra trás, fazendo com que ele se chocasse com o veneno da árvore. Por alguma razão quando o vento bateu no gnomo e na árvore ambos ficaram quietos, como se estivessem imobilizados, e foram congelando aos poucos até o completo congelamento.

Ângelo caiu no chão, ofegante, olhou para a árvore, levantou a mão e a fechou. A árvore se partiu em vários pedaços, deixando cair um colar com uma pedra verde.

-Marcello... você se machucou muito?

-Um pouco.

-Eu vou aí.

Apesar da pequena distância que ele caminhara, ele estava suando e sem ar, parecia que tinha acabado de correr por horas.

-Nossa, você está bem?

-Sim... só um pouco cansado... usar magias com os dois elementos ao mesmo tempo requer muito de mim...

-Ah...

-Não sou muito bom com cura... mas da para ajudar.

Ele tocou minha perna, onde tinha o corte, e disse:

-Regeneração vital.

O ferimento fechou um pouco, mas ainda doía.

-Bem, é o máximo que consigo... magia branca é minha oposta natural.

-Tudo bem, já consigo andar sem doer tanto.

-Ok... vou pegar o colar e vamos embora.

-O que aconteceu com os monstros quando a nevasca os atingiu? Eles pareciam meio perdidos.

Ele se sentou e respirou um pouco.

-E estavam, perdidos em suas próprias mentes, foi isso que a magia negra fez.

-Ah...

Ele se levantou e pegou o colar, me ajudou a levantar também e voltamos pra cidade.

Estava feito, havíamos levado o colar pra academia e obtido a aprovação no teste, e agora faltava apenas uma semana pra prova final. Desde que o efeito da Concentração passou eu não conseguira parar de pensar na Carol, eu pedi pra me dessem notícias dela assim que ela chegasse e já estava tarde e ninguém veio aqui... o que podia ter acontecido?

-Marcello, você pode vir aqui um pouco?

Era a voz da minha mãe, que estava na sala.

-Claro mãe.

Logo que entrei na sala eu a vi, com uma carta na mão.

-É pra você, é do pai da Carol...

Peguei a carta e comecei a ler.

"Marcello, a Carol conseguiu fazer o teste em dupla e obteve aprovação, contudo ela está muito ferida, o Fabrício foi quem a trouxe, apesar de ele também estar bastante machucado. Neste momento ela está com os curandeiros, disseram que seria melhor ela passar a noite lá para que pudesse descansar, talvez você não a veja na próxima aula, fico grato pela sua preocupação para com ela, todavia ela já está sendo cuidada, fique tranquilo.

Atenciosamente, Arthur"

-Ela está bem?

Minha mãe estava quase tão preocupada quanto eu.

-Sim, está com os curandeiros, mas está bem sim.

-Que ótimo, amanhã faço algo para você levar para ela.

-Brigado mãe.

Voltei pro meu quarto e deitei na minha cama, um pouco mais aliviado, a Carol estava bem, mas ainda havia outras coisas, como a prova final e o Ângelo...

"Eu também gosto de você, muito, mas não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida."

Essa frase não saia da minha mente, não podia ser verdade, todos têm o direito de ser feliz, ele não podia fazer isso consigo, tudo bem que a aura negra era realmente desagradável, mas mesmo assim. Mas olhando pelo lado dele, será que eu suportaria ficar ao lado dele se ele não inibisse o lado negro? Acho que sim, mas será que eu conseguiria convencê-lo disso? Aliás, será que eu conseguiria me convencer disso? Provavelmente eu conseguiria me convencer sim, mas convencê-lo seria difícil, talvez eu tivesse que investir nisso, faltava só uma semana pro fim das aulas, e... o futuro daqui a uma semana era impossível de prever. Daqui a oito dias os aprovados estariam na formatura, escolhendo suas nações e os outros estariam mortos. Bem, essa era minha decisão, eu iria arriscar, e seria nessa semana. Amanhã era sábado e ele tinha me dado o endereço dele hoje quando voltamos, talvez fosse legal eu passar lá pra conversarmos.

Em meio aos pensamentos meus olhos foram se fechando, e tudo começou a ficar envolto pelas areias do sono.

"...não fui feito para viver ao lado de alguém pelo resto da vida.".

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¹ - Magia de aumento de evasão e esquiva.

² - Magia de aumento da precisão.

³ - Magia de cura automática para pequenos ferimentos.

- Magia de aumento da força.

- Magia de intensificação mágica.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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