Agora eu estava numa cidade bonita, mas diferente em vários aspectos. As construções eram mais espalhadas umas das outras, as letras indicativas nas placas não eram tão requintadas e todas as pessoas na rua estavam olhando para mim. Eu corei, muito.

-Vamos Ângelo, preciso te levar até a prefeitura, te prometi seu uniforme e vou verificar aonde você vai morar.

Ele sorriu enquanto falava isso e recomeçou a andar, provavelmente percebeu que não teria uma resposta. Eu o segui pela cidade e em todas as ruas foi a mesma coisa, as pessoas ficavam olhando a passeata, até que finalmente subimos uma escada que dava para uma construção branca com detalhes em azul, devia ser a prefeitura. Ao chegarmos lá os quatro guardas relaxaram, o guerreiro disse:

-Muito bem Orpheu, vamos voltar à academia.

-Tudo bem, obrigado a todos.

Ele respondeu sorrindo, minha visão do líder do Ocidente não era bem essa antes de hoje.

-Ângelo, acho que nos vemos amanhã. - Aglaope disse isso com um sorriso materno no rosto.

-É, eu acho que sim, se eu achar a academia.

Ela riu e respondeu:

-Não se preocupe, não vamos colocar você para morar sozinho, você morará com outros dois estudantes da academia superior.

-Ah, neste caso, nos vemos amanhã.

Os quatro diretores foram embora, voltei minha atenção ao Orpheu.

-Ângelo, faremos o seguinte: agora vou conversar com Clímene, ela é minha pessoa de maior confiança e cuida de todos por aqui, ela vai pegar os seus uniformes e vai designar um quarto para você, além de te dar a chave do seu quarto e um mapa da cidade, com a marcação do seu quarto nele, tudo bem?

-Claro.

-Ótimo, neste caso pode sentar ali naquele sofá, em alguns instantes ela lhe trará suas coisas.

-Está certo.

-Então, se cuide e bem vindo.

-Obrigado.

Ele continuou caminhando em frente, entrando por uma porta, enquanto eu fui sentar no sofá. Era estranho, aqui a maioria das coisas tinham tons de azul, eu não estava acostumado a isso, era meio que proibido em Sariku. Não demorou muito para que uma mulher com um pouco mais de peso, baixa e de olhos e cabelos brancos viesse até mim com algumas coisas nas mãos.

-Olá meu jovem, você deve ser o Ângelo.

-Sim.

-Ah, muito bem meu anjo, trouxe suas coisas, seus uniformes, eu trouxe três, me disseram pra trazer dois, mas ninguém vai ligar, além disso aqui está à chave do seu quarto, você vai morar com um arqueiro e um guerreiro, tudo bem por você?

-Ah, sem problema algum.

Ela era muito simpática, agora eu entendi o que Orpheu havia dito sobre “...cuida de todos por aqui...”.

-Excelente, aqui está o mapa.

Ela foi me mostrando cada lugar e apontando no mapa. Certas vezes quando era um lugar muito importante, ela colocava uma legenda.

-Além disso, também trouxe seu cartão de estudante, com ele você poderá comer à vontade nos restaurantes da cidade nos finais de semana, porém só refeições, almoço e janta, nada de sobremesas, isso fica por sua conta. O que você precisar para café da manhã será servido no próprio quarto. Sobre sua roupa suja, você deve levá-la à lavanderia, todas as sextas-feiras e pegá-las nos sábados pela manhã. Além disso, você precisará usar seu uniforme regularmente, não pode sair por aí sem ele. Entendeu tudo?

-Hum, acho que sim.

-Bem, se você tiver qualquer problema pode me procurar ou você pode procurar seu diretor na academia.

-Ah, tudo bem então, muito obrigado por tudo.

-Foi um prazer querido, venha me ver.

Era algo que eu pensava em fazer, mas havia várias coisas a serem feitas antes. Eu não queria andar com um mapa na mão gritando "Oi, eu não sou daqui", mas não tinha o que fazer, a cidade era muito complexa, eram várias ruas entrelaçadas como se feitas para alguém se perder de propósito. Novamente as pessoas ficaram me olhando, isto era bastante incômodo. Apesar disso o prédio no qual eu ia morar não era muito longe, na chave tinha um papel escrito "Quarto 12 - primeiro andar". Entrei no prédio e a recepcionista me olhou com um olhar estranho.

-Eu não me lembro de ter te visto por aqui rapazinho, achei que os alunos novos da academia superior já estivessem todos instalados.

-Bem, acho que sou um caso especial.

-Ah tudo bem, pelo que vejo você está com sua chave, vou registrá-lo aqui, pode me dizer o seu nome?

-Ângelo.

Ela parou, olhou atentamente para mim e disse:

-Desculpe-me, mas de que cidade você disse que vinha?

-Eu não disse.

-Poderia me fazer esse favor?

-Sariku.

-Eu não sei que cidade é essa.

-Pertence à nação Ocidental...

Ela havia associado às coisas, pareceu meio perplexa, mas olhou os uniformes na minha mão e disse:

-Oh, neste caso, bem vindo. Pode subir e... prazer em conhecê-lo.

-Igualmente.

Subi um lance de escada e de lá já pude ver a porta com o número 12. Fui até ela, coloquei a chave na fechadura e girei. Ao abrir a porta me deparo com, ao que parecia, meus dois colegas de quarto, ambos estavam usando apenas cueca. Fechei a porta. Meu rosto ficou muito quente. Tentei lembrar o que vi. Realmente era um arqueiro e um guerreiro, o arqueiro era muito alto e tinha a pele um pouco clara, não tanto quanto a minha, tinha o corpo bem definido, longos cabelos verdes claros, lisos e olhos igualmente verdes. Já o guerreiro era muito forte, não tão alto quanto o arqueiro, mas bem mais alto que eu, tinha a pele bronzeada, cabelos bem curtos e rubros, seus olhos eram bem parecidos com... os do Marcello. Fiquei pensando no que faria agora, como iria falar com eles depois disso, mas a porta se abriu de novo e o arqueiro, já com roupa, veio falar comigo.

-Olá. - ele disse isso com um sorriso, provavelmente rindo da cor do meu rosto.

-Oi... eu sou novo por aqui e... disseram-me que eu moraria neste quarto.

-Ah, tudo bem, seja bem vindo então.

Ele me abraçou e me tirou um pouco do chão, foi engraçado.

-Obrigado.

-Mas... o que aconteceu? Achei que já haviam colocados todos os alunos novos nos seus quartos.

-É que minha cerimônia foi hoje...

-Ah, claro que não, hoje foi a cerimônia das pessoas da nação do Oriente, tanto que o Orpheu foi lá e...

Acho que ele tinha entendido.

-Você era de uma cidade Oriental?

-Sim...

Foi então que eu percebi que o guerreiro estava na porta, de braços cruzados e estava me encarando. Quando ele viu que eu notei a presença dele entrou no quarto novamente. O arqueiro notou a minha mudança de humor.

-Ainda não me apresentei, sou Glaucos e o que ainda está lá dentro é o Miro.

-Ah... meu nome é Ângelo.

As pessoas aqui tinham nomes diferentes...

-Ângelo, vamos entrar, você precisa arrumar suas coisas, não se importa de deixar a cama de casal com o Miro né? Ele é um pouco maior...

-Ah, sem problema algum.

-Então tá.

Dessa vez eu entrei no quarto de verdade e devo dizer que já estava cansado de ficar carregando aquelas malas de um lado pro outro. O guerreiro, Miro, estava sentado na cama, não fez questão de virar os olhos quando eu entrei, ficou quieto, acho que era um excelente começo pra uma convivência de quatro anos.

O quarto era grande, tinha a cama de casal e duas camas de solteiro, um guarda-roupa ao lado de cada cama e uma mesa com três cadeiras, aonde eu supus que seria onde tomaríamos café-da-manhã. Além disso tinha um banheiro logo à direita ao entrar no quarto. E uma grande janela no fundo que dava para algumas árvores, eu diria que aquilo era uma floresta se as árvores estivessem um pouco mais juntas. Talvez fosse uma boa hora pra ver o que meus colegas de quarto pensavam sobre a situação. Sentei de costas para eles, deixei um pouco da magia negra fluir e sussurrei:

-Espelho negro.

Segurei o espelho entre os dedos e apontei para o Glaucos.

Ele parece ser um cara legal, apesar de ser Oriental, além disso é bom ter um mago por perto, como naquele dia...

Isso já bastava, eu não queria invadir a privacidade dele, só queria saber se fui bem aceito ou não. Apesar do medo do que poderia ver, apontei o espelho para o Miro.

Ótimo, um Oriental imundo vivendo comigo, vou ser motivo de piada na academia, ele que não pense em vir falar comigo, esse mago, e além disso ele usa gelo e... espera, o cabelo dele está escuro?

-Sim, meu cabelo está escuro...

Minha voz foi calma, mas por puro controle, eu estava quase explodindo de raiva.

-Ah, além disso você também usa magia negra, que bom, você podia ser um mago negro puro né? Não vejo outra forma de ficar pior.

As palavras saíram ríspidas, dava para sentir a raiva emanando dele, ao contrário de mim ele não tentava se controlar.

-Eu não sou do Oriente! Se estou usando um pingente azul e estou aqui é porque sou da mesma nação que você!

Eu não me lembrava de quanto tempo fazia que alguém tinha conseguido me deixar nervoso, mas ele conseguira.

-Pra mim você sempre será do Oriente e um pingente não vai mudar isso.

-Ótimo, então fique com seu preconceito e morra com ele!

Eu não ia mais ficar ali, peguei o mapa, mas não podia sair sem estar com uniforme...

-Troca!

Minhas roupas e o uniforme trocaram de lugar, agora eu estava com uniforme e o mapa. Saí do quarto, com lágrimas de raiva transbordando pelo rosto.

Eu não chorava só pelo idiota do Miro, mas por tudo, por estar longe daquilo que chamei de casa toda minha vida, por causa dele, por não conhecer ninguém que eu pudesse confiar aqui, afinal eu não ia à prefeitura 30 minutos depois de ter saído de lá e ainda por cima chorando. Devo admitir que tudo isso se somou à lembrança do Marcello, minha dor mais forte...

Desci as escadas olhando o mapa, eu queria um lugar isolado e tinha uma praia meio distante do centro da cidade, talvez estivesse vazia, era a única alternativa então era exatamente para onde eu iria. Andei durante algum tempo, até encontrá-la. Por sorte estava realmente vazia. O sol já não estava tão alto, devia ser umas 15h. Vagueei pela areia até achar uma sombra ao lado de uma elevação, sentei lá e me deixei levar pelos pensamentos, deixei a magia negra livre e deixei as tristezas saírem.

Acho que já estava sentado ali fazia algumas poucas horas já que o sol estava baixo já, quando uma pessoa apareceu na praia, era um espadachim, pela aparência, era da minha idade, uns 18 anos. Apesar do meu cabelo ainda estar com mechas negras ele veio em minha direção, parou um pouco ao sentir a aura negra, mas continuou, até sentar ao meu lado.

-Você está bem? - ele disse com muita calma, talvez com certo medo, mas com alguma pena.

-Foi um dia complicado, acho que só...

-Se quiser falar sobre isso, eu tô aqui.

-Obrigado.

Ficamos quietos por alguns momentos, nunca fui bom pra me relacionar com pessoas novas.

-As pessoas daqui não gostam de mim. - eu finalmente admiti.

-O que você quis dizer com 'as pessoas daqui'?

-Hoje é meu primeiro dia aqui no Ocidente.

-Aaahhhh, meu amigo me falou sobre você, ele disse que Orpheu havia trazido um formando com ele. Ah, não fique mal por isso, logo vão se acostumar a isso, é só que... bem, é diferente, você viveu num lugar praticamente inimigo entende?

Ele estava meio pensativo, mas logo voltou a falar.

-Acho melhor eu não te falar o óbvio, deve estar sendo difícil pra você, então não vamos mais falar disso, qual é o seu nome?

-Ângelo, e o seu?

-Sileno.

-As pessoas daqui têm nomes esquisitos.

-Na verdade o único nome esquisito é o seu.

-Hum...

Os costumes dos dois lugares eram bastante diferentes, os nomes eram o maior indicativo, até agora só ouvi nomes que jamais ouvira antes na vida. A voz dele me tirou dos meus pensamentos.

-Não foi uma boa idéia você ter vindo aqui, poderia ter aparecido algum monstro marinho.

-Ah... eu queria ficar só...

-Nossa, desculpa...

Ele fez menção de levantar.

-Não, não, fica, por favor, eu queria ficar sozinho antes, eu gosto da sua companhia.

Ele permaneceu sentado e sorriu para mim.

-Obrigado Ângelo. Aliás, devo dizer que nunca tinha conhecido alguém que usasse magia negra.

-É... eu uso...

-Sempre?

-Não! Claro que não, é bem raro eu deixar a magia negra livre.

-E porque você está deixando agora?

-Porque estou sem forças para lutar contra mim mesmo, mas talvez seja melhor tentar...

Tentei repreender a magia negra, foi um pouco mais complicado do que de costume, mas consegui. O vento soprou contra meu rosto, trazendo um calor fora do comum, alguém estava alterando a temperatura em algum lugar.

-Sileno, só um momento, preciso ver uma coisa.

-Tudo bem, fique à vontade.

Concentrei-me um pouco, parecia que havia algo quente encima da elevação que fazia sombra onde eu estava sentado, mas era uma grande quantidade de calor, o que poderia ser? Só tinha um jeito de descobrir.

-Flutuar.

Flutuei até o topo do pequeno monte. Para minha surpresa vejo o Miro!

-O que você está fazendo aqui?!

-O Glaucos... e eu... - ele completou - ficamos preocupados pelo jeito que você saiu...

-Se você veio me procurar porque sentiria remorso se acontecesse alguma coisa, não precisa sentir, estou bem e vivo, agora já pode tirar a falsa alegria de ter me encontrado e ir embora. Uma hora eu volto, se perguntarem fala que fui cometer suicídio ou algo do tipo.

-Olha...

Ele parou, respirou fundo e disse:

-Ok, me desculpe por hoje, tá legal?

-Você não precisa se desculpar por nada, já disse que não precisa ter remorso, eu li seus pensamentos porque quis.

-Mas eu falei coisas que não deveria ter dito, eu não estou passando por um bom período e...

-Daí você resolve descontar no primeiro que aparece na frente.

Minha resposta saiu rápida, algo que não era rotineiro em mim.

-Você não está ajudando.

Eu tinha que ser mais complacente, ele estava tentando.

-Tudo bem, desculpe.

-Podemos recomeçar?

Ele colocou a mão para a frente, de forma convidativa a um aperto de mão, eu não queria intrigas, não com um colega de quarto e o fato de ele ter se redimido não fazia dele um completo idiota.

-É, talvez seja melhor assim.

Eu apertei a mão dele, ou pelo menos esse seria o nome, já que minha mão era bem menor que a dele e apertá-la estava fora de cogitação.

-Acho que já podemos ir pra casa agora Ângelo.

-Sim, acho que sim, mas vou me despedir do meu amigo.

-É uma boa idéia.

-Você estava escutando a conversa?!

-Só uma parte.

-Eu devia te bater.

-Bate.

Ótimo, agora ainda se aproveitava de ele ser umas duas vezes maior que eu e pelo menos cinco vezes mais forte.

-Eu posso usar magia para te bater.

-Mas não seria bater.

-Mas ia doer.

Eu sorri maliciosamente.

-Ah, desse jeito não conta.

-Não é bom se aproveitar das fraquezas alheias?

Eu arqueei uma sobrancelha ao dizer isso, foi engraçado.

-Muito bem senhor mago, vamos, dê tchau pro seu novo colega.

-Tudo bem, já vou, Flutuar.

Desci o monte, Sileno já estava de pé.

-Acho que você já vai.

-Sim, vieram me buscar.

Miro foi descendo por outro caminho enquanto nos despedíamos.

-Obrigado por ter me animado quanto eu estava triste.

As palavras saíram como um suspiro de alívio.

-Não há de quê, Ângelo, acho que nos vemos amanhã na academia, certo?

-Ah sim, até amanhã.

-Até.

Nós apertamos as mãos e ele foi para o lado oposto à minha casa. Neste momento o Miro colocou a mão no meu ombro.

-Vamos lá, acho que pode guardar esse negócio, - apontando para o mapa - eu sei andar por aqui.

-Que bom, eu estava me sentindo muito tapado.

Caminhamos de volta para o prédio.

0 comentários:

Postar um comentário

Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

Dê sua nota

Seguidores