Acordei com o sol em meu rosto, não era algo muito confortável, mas não estava tão quente ainda. Levantei-me silenciosamente, não queria acordar meus colegas de quarto. Fui até o banheiro, escovei os dentes e tomei um banho, aproveitei a água para começar a absorver um pouco de energia, não muita, já que eu não podia demorar muito e aquilo exigia alguma concentração. Coloquei meu uniforme, porém não sabia o quão leve era o sono deles, seria melhor não pisar no chão. Sussurrei:

-Flutuar.

Flutuei até a janela e sai por ela. Fiquei encima de uma árvore, concentrando-me exclusivamente em absorver energia das plantas. Foi algo difícil, haviam muitas coisas para pensar, como minha mãe, a aceitação neste lugar, o qual estava bastante complicado, a convivência com meus novos amigos, em especial o Miro, que conseguia me tirar o fôlego, algo que eu não podia permitir... e por fim, Marcello. Lembrar dele em meus braços, quieto, sem respirar... era uma dor constante que se associava às lembranças ruins que a magia negra me proporcionara. Eu não ia pensar nisso, já estava acostumado a sofrer e não tinha muito tempo para absorver energia. O ar que veio do quarto mostrava sinais de movimento de calor, alguém havia levantado da cama, procurei a mente mais ativa, era a do Glaucos e ele estava me procurando.

-Glaucos, eu estou numa árvore aqui fora, não se preocupe.

Senti a mente dele relaxar um pouco e ele vir até a janela, me olhou, deu um sorriso e voltou para o quarto. Não demorei muito para voltar para o quarto e quando voltei o Miro estava se levantando enquanto o Glaucos colocava seu uniforme. Na mesa que outrora estivera fazia agora havia pães e bolachas, além de café e leite, o que me deixou meio confuso, não acho que o Glaucos tenha tido tempo de ir comprar algo enquanto eu estivera fora.

-Esta comida veio de onde?

-O serviço de quarto trouxe, eu passei nossos cartões, espero que você não se incomode de eu ter pego o seu. – ele disse isso com um leve sorriso no rosto, era bom ver que ele levantava de bom humor.

-Ah sim, bom dia a vocês dois. – as palavras saíram meio atropeladas, pela vergonha da falta de simpatia matutina e pelo fato de o Miro ainda estar com o “pijama” dele, a mini bermuda...

-Bom dia Ângelo. – Miro disse meio zonzo, mas sorrindo. Uma coisa que eu achava estranho nele: era impossível prever o humor dele. Neste momento, por exemplo, eu achava que ele acordaria muito nervoso, mas ele estava calmo.

-Há, bom dia Ângelo, não precisa ficar vermelho.

As palavras do Glaucos provavelmente eram para me acalmar, mas me deixou mais vermelho. Sentei-me à mesa um pouco virado para a parede, enquanto o Miro foi para o banheiro. Glaucos sentou ao meu lado com um sorriso estranho no rosto.

-Então Ângelo, você sempre fica vermelho deste jeito?

O sorriso ficou ainda mais aberto enquanto as palavras iam saindo. Eu comecei a comer, cobrindo um pouco o rosto, era muito constrangedor, apesar de ele parecer estar se divertindo.

-Você ainda não respondeu.

-Eu... sou tímido sim.

-Você gosta dele?

-Não.

Mas eu não tinha muita certeza disso e ele percebeu.

-Ah, sério? Não é o que parece.

Eu nunca gostei de ser um livro aberto e aquilo estava me incomodando bastante.

-Hum, Glaucos, por alguns motivos que eu não quero dizer, eu não posso gostar de ninguém.

Por um momento ele ficou calado e começou a comer um pão. Quando ele terminou o pão voltou a falar:

-Ok Ângelo, me desculpe... não quis invadir sua privacidade.

-Não precisa se desculpar... é só que... ah, eu sou meio fechado Glaucos, não me leve a mal, por favor.

-Tudo bem, – ele abriu um grande sorriso – mas devo lhe dizer que nunca vi o Miro tão calmo e atencioso antes de você chegar.

-Ah... você acha que...?

-Não sei, não pude falar com ele, mas acho que sim.

A porta do banheiro abriu e a conversa cessou na hora. Miro saiu e começou a vestir sua armadura, com o quarto em silêncio. Quando ele acabou, disse:

-Achei que vocês estivessem conversando, estavam falando mal de mim?

Eu me levantei e fui para a minha cama. Glaucos disse:

-Ah, com certeza, já tenho que dar bons costumes pro Ângelo.

Eu ri, ele me olhou e disse:

-Neste caso Ângelo, porque você não fala na minha frente?

Apesar de ele não estar sério, o tom de voz dele estava um pouco carregada, o que demonstrou certa irritação. Fiquei meio surpreso, mas respondi:

-Era brincadeira Miro...

-Mas você estava falando de mim, certo?

Já que não adiantava mentir mesmo...

-Sim, eu estava falando de você Miro, mas não sei qual é a graça em fazer perguntas que você sabe que não quero responder. Quando eu quiser dizer algo, eu direi e ficaria muito feliz se você não me pressionasse.

-Foi só uma pergunta Ângelo, não precisava se ofender.

-Eu ainda não me ofendi, quando você me ofender você saberá pela diferença climática à sua volta.

-Não precisa disso, dá pra notar quando você está nervoso.

Eu comecei a ficar nervoso, mas respirei fundo e me controlei. Olhei para ele e não disse nada, às vezes um olhar diz mais que mil palavras. Quem retomou a conversa foi o Glaucos.

-Miro, melhor você comer algo, daqui a pouco precisamos ir.

-Ok.

Ele sentou à mesa. Fiquei olhando a janela, vendo um sol entre nuvens, o que, provavelmente, implicava em uma queda de temperatura, o que me agradaria bastante.

-Glaucos, tenho uma dúvida.

-Pode falar.

-A temperatura por aqui costuma ser alta?

-Ah, mais ou menos, tem dias quentes e dias frios, é algo balanceado. Por quê?

-É algo bem importante para mim.

-Ah tá.

O Miro ainda parecia meio irritado, mas enquanto comia, aparentemente, foi se acalmando. Quando ele finalmente acabou, disse:

-Bem, podemos ir.

Todos nos levantamos. Quando eu passei pelo Miro ele colocou a mão no meu ombro, acho que era um pedido de desculpa. Coloquei minha mão sobre a dele, depois a tirei do meu ombro. Apesar de não querer acreditar no que o Glaucos disse, provavelmente era verdade e eu não estava pronto para isso, não que ele não fosse bonito, mas... ah, eu não queria pensar nisso. Saímos do prédio junto com outras pessoas também com uniforme, eu acenei para a recepcionista quando passamos por ela. Durante todo o caminho eu não vi o espadachim da praia. Andamos durante uns 10 minutos até chegar numa versão maior da minha antiga academia, só que em vez de roxa, esta tinha detalhes em azul. Logo na entrada da academia havia uma placa indicando os blocos de cada classe, era hora de nos separarmos.

-Vou para o bloco dos magos, vejo vocês no almoço?

-Com certeza Ângelo, - respondeu o Glaucos com um sorriso - vou lá, preciso ver as arqueiras da sala.

Eu e o Miro rimos.

-Até mais tarde. - disse o Miro.

-Até. - ambos respondemos.

Dei uma última olhada para trás, o Miro não parecia estar muito feliz, mas eu não podia ver o que estava ocorrendo agora, então me preocuparia com a minha primeira aula.

Ao entrar na sala vi vários magos com o mesmo uniforme que o meu, estavam conversando entre si, em grupos, mas todas as conversas pararam com a minha chegada e todos os olhos estavam em mim, o que fez minhas bochechas ficarem rubras. Atravessei a sala e sentei numa cadeira de canto. Aos poucos as conversas pareceram se restabelecer, mas com um novo assunto: eu. Um mago de cabelo branco com mechas marrons entrou na sala, fechou a porta e ficou de frente para todos, provavelmente era o novo professor.

-Bom dia a todos, sou Érebo e sou o responsável pelo aprendizado de vocês durante os próximos quatro anos, alguma pergunta?

Aproveitei a deixa para avaliar a sala. Como sempre havia vários magos de fogo e luz, alguns de vento, terra e água, além de um de relâmpago e um de gelo. Não havia outro mago negro na sala, pelo menos até agora, porque assim que eu pensei isso a porta se abriu e algumas pessoas da sala se encolheram um pouco. Um mago de cabelos pretos, com a pele mais clara que a minha e portador de uma aura negra bastante forte entrou na sala. Ele olhou pela sala, os nossos olhares se encontraram e ele veio em minha direção, sentando em uma cadeira que ficava atrás de mim. Provavelmente a proximidade teria feito qualquer pessoa sentir um leve arrepio de medo, mas como eu também usava magia negra foi fácil bloquear os efeitos da aura dele sobre mim. O professor olhou para nós dois e disse:

-Meu jovem, mago de gelo, qual é o seu nome?

-Ângelo.

-Muito bem, Ângelo, acho melhor você ficar à vontade, senão seu desempenho será prejudicado.

Ele estava realmente falando comigo?

-Desculpe-me, mas... eu não sei do que o senhor está falando.

-Meu jovem, você não usa só o gelo.

Mas como ele poderia saber disso? Eu não havia deixado nenhum rastro de magia negra!

-Como você...?

-Apenas relaxe.

Eu fiz o que ele pedira, meus cabelos ganharam mechas pretas e meu olho ficou mais escuro, além disso, minha aura ficou dividida entre o gelo e a escuridão. Novamente todos estavam olhando para mim, isso não podia ficar pior...

-Muito bem, Ângelo, não se preocupe em machucar as pessoas, elas estão aqui para aprender a se defender.

Eu estava perplexo, a sensação de deixar a magia livre era reconfortante, mas a forma como ele falou... eu nunca havia pensado daquela forma e todos me criticavam muito por usar magia negra, não tinha lógica em ele me pedir para usá-la.

-Agora que todos estão desfrutando de todos os seus poderes, vamos ver o que vocês aprenderam.

Durante uns 40 minutos o professor foi perguntando aos alunos o que eles haviam aprendido. Pelo que eu escutei o aprendizado deles havia sido diferente do meu, eles não sabiam magias de levitação e poucos conheciam magias mentais. Por outro lado, todos conheciam razoavelmente bem todos os elementos, apesar de terem especialização nos seus elementos principais. Até que o professor olhou para mim e fez a mesma pergunta de sempre.

-Tem algo que você tenha feito que não foi dito ainda? E dos que foram ditos, o que você não fez?

-Bem... conheço até que bem as magias da mente e de levitação, contudo, não tenho conhecimento de magias que não sejam de gelo, trevas ou vento.

-Interessante, levando em consideração que você é o penúltimo da sala a falar sobre seu aprendizado, porque seu conhecimento é tão diferente dos demais?

Eu não sabia como responder e nem precisei, a resposta veio do outro canto da sala.

-Porque ele era Oriental.

A voz era grossa e as palavras vieram com um tom raivoso. O dono da resposta era um rapaz de cabelos vermelhos com mechas brancas, bronzeado, um pouco mais forte que os demais. Ele ficou me olhando assim como o Miro fizera ontem.

-Ângelo, você morava numa cidade do Oriente?

A voz de Érebo foi calma, mas algo me disse que havia mais do que ele desejava demonstrar.

-Sim senhor.

Apesar da frustração, minhas palavras saíram como eu quis, controladas e um pouco firmes.

-Isso explica o aprendizado diferente. Bem, de qualquer forma, caso alguém não tenha o feito, seja bem vindo.

A maioria dos olhares foi de reprovação, mas aparentemente o professor os ignorou.

-Obrigado...

-Não há de quê. E você, meu jovem, - olhando para o mago negro - o que você aprendeu?

Por um momento a sala ficou quieta, até que ele finalmente respondeu:

-Eu conheço muito bem as magias da mente, não sou muito bom com as outras.

Sua voz era baixa, mas decidida.

-Acho que podemos concertar isso, certo?

-Claro professor, sem nenhum problema.

-Que bom. Bem, por enquanto é só isso. Vocês estão dispensados, por hora. Estejam aqui depois do almoço. Podem visitar nossa biblioteca ou se enturmarem, já que vocês eram de salas ou lugares diferentes.

Seria uma boa idéia ir à biblioteca e como ninguém ia falar comigo mesmo, talvez fosse a melhor opção. Comecei a me levantar quando ouvi uma voz atrás de mim.

-Oi.

Virei-me e vi o mago negro, olhando para mim.

-Hum, oi.

-Tudo bem?

-Sim e com você?

-Também.

Assim como eu parecia surpreso ele parecia aliviado.

-Seu nome é Ângelo não é mesmo?

-Sim e o seu?

-Caronte.

-Hum...

-A sua mente não é fácil de entrar.

Aquilo era algo que eu não esperava ouvir.

-Ah... bem, eu uso magia negra, sei me proteger.

-As pessoas não costumam gostar de quem usa magia negra.

-É, eu sei.

Era um alívio ver que alguém me entendia. A todo momento ele parecia meio sério, como se não soubesse como sorrir.

-Então... acho que eu nunca fui muito bom com minha parte social... estou indo bem?

Enquanto ele falava seu rosto ficou menos sério e eu quase vi um sorriso.

-Creio eu que sim, - um sorriso brotou no meu rosto, ele era parecido comigo - você é tão bom quanto eu para isso.

-Ah...

-Pois é, ainda não consegui dar oi e a pessoa sair correndo, mas só está faltando isso.

Ambos rimos. Era estranho vê-lo sorrindo, como se não o fizesse há meses.

Durante o resto do tempo até o almoço ficamos conversando sobre as diferenças das nações. Eu contei como era viver no Oriente e ele me contou como era viver no Ocidente. Pude perceber, pela nossa conversa, que não havia tantas diferenças assim, um pouco do governo e do ensino eram diferentes, além de detalhes como formas de construção e prioridades, mas as nações não eram tão opostas quanto me fora dito. Um sinal soou, que eu presumi que fosse do almoço.

-Ângelo, vou à biblioteca, almoço depois.

-Tudo bem, até depois.

Despedimo-nos e eu segui os magos que ainda estavam na sala. Aqui eles não flutuavam por nada, fiquei me perguntando o porquê disso. Andamos por um corredor com várias portas indicando secretaria, salas de equipamentos e por último havia quatro salas um pouco destacadas, cada uma era a diretoria de uma classe. Quando eu passei pela porta escrita "Diretoria dos Magos" a porta se abriu e Aglaope saiu de lá, olhou surpresa para mim e sorriu.

-Bom dia Ângelo, que surpresa em vê-lo.

Ela mantinha a mesma serenidade de sempre.

-Bom dia. Devo te chamar de diretora?

-Não precisa, pode me chamar pelo meu nome mesmo.

-Tudo bem então.

-Como está indo até agora?

-Ah, bem, o professor só se apresentou e viu como os alunos estão.

-Entendo, você já visitou a biblioteca?

-Ainda não...

A sala da diretoria dos arqueiros se abriu e outro rosto conhecido saiu de lá, era o arqueiro que foi com Orpheu para Sariku.

-Aglaope, vamos almoçar?

-Claro Équion, só um momento. Ângelo, se você me der licença agora preciso ir.

-Tudo bem, nos vemos por aí.

-Te vejo mais tarde.

Ela piscou para mim e foi em direção ao refeitório com o arqueiro. Eu os segui um pouco distante, mas não demorou para chegarmos à grande sala que era o refeitório.

Assim que entrei no refeitório algumas pessoas próximas pararam de andar e logo em seguida lançaram olhares fulminantes, eu havia esquecido que as outras classes não suportam a magia negra tão bem quanto os magos. Repreendi a magia negra como uma resposta aos olhares e continuei andando, procurando o Glaucos ou o Miro. Não foi difícil encontrá-los, eles estavam ao lado de uns brutamontes, que presumi que fossem amigos do Miro. Uma coisa interessante era que apesar do Miro ser grande, os outros guerreiros eram, em sua maioria, ainda maiores que ele. Fui em direção a eles, mas logo pude perceber que o clima não parecia dos melhores, o Glaucos estava ao lado do Miro, o qual parecia estar se controlando para não avançar num guerreiro de cabelos azuis escuros. Aparentemente aquele guerreiro era o "líder", pois estava ladeado por outros dois guerreiros. Os três riam e pelo que parecia era do Miro. Continuei indo em direção a eles, até que consegui ouvir sobre o que eles falavam.

-Bons tempos Miro, - o guerreiro de cabelos azuis disse com um sorriso no rosto - você não mudou nada, continua o mesmo fracote ralé de sempre.

-Ok Miro, vamos sair daqui. - pude ouvir o Glaucos dizendo.

-O que está acontecendo aqui? - eu disse, fuzilando os três guerreiros com o olhar.

-Você tem mais um amiguinho? E é o mago Oriental! - Ele gargalhava enquanto falava - Eu não sabia que você tinha decido tanto de nível assim.

O rosto do Miro ficara vermelho, eu não podia deixar que ele fizesse isso.

-E apesar disso o mago ex-Oriental te coloca pra beijar o chão em dois tempos. - Eu disse, em tom de deboche.

O Miro e o Glaucos empalideceram, já o guerreiro dos cabelos azuis não gostou muito do desafio. Andou até a minha direção, segurou meu quimono e me tirou do chão com uma mão.

-Me solta.

-Você não está em posição de ordenar nada maguinho, mas vou fazer com que você se lembre de mim.

-Eu também vou e você se lembrará para o resto da sua vida.

Libertei a magia negra, instantaneamente pude sentir os dedos afrouxando um pouco.

-Vamos brincar, - um sorriso maldoso surgiu no meu rosto - Pesadelo.

Entrei na mente dele, a qual era um pouco mais complexa do que de costume, mas ainda assim não foi um desafio achar a porta dos medos. Entrei numa sala que ia diminuindo cada vez mais: ele era claustrofóbico. Coloquei uma imagem na sua mente, todo aquele salão com as portas fechadas e se compactando, as paredes vindo em sua direção, o teto baixando. O desespero tomou conta dele, pude sentir seus dedos afrouxando e eu voltando a colocar os pés no chão. Mas eu não ia parar agora, ele ia pagar pelo que disse. Mas uma mão no meu ombro me deu um solavanco que tirou totalmente minha concentração. Para meu azar a mão pertencia ao diretor guerreiro.

-Estamos tendo algum problema aqui?

O tom da sua voz era de uma autoridade extrema.

-Não senhor. - eu disse.

-Ótimo, então guarde sua aura pra si mago e não quero que você faça confusão de novo, estamos entendidos?

-Hum... claro, sem problemas.

-Ótimo.

Ele se virou e voltou para a mesa à qual estava almoçando. O guerreiro de cabelos azuis estava tremendo, acho que causei uma boa impressão com ele.

-Nos vemos por aí. - eu disse, recolhi a magia negra e puxei o Miro e o Glaucos para uma mesa ao canto. Eles começaram a me olhar um pouco assustados, mas o Miro começou a criar um sorriso no rosto.

-Ângelo... o que você fez?

-Ah nada demais, só o fiz ter um dos piores pesadelos da vida dele, mas porque eles estavam te atormentando?

Eles se entreolharam, depois o Miro me deu um abraço apertado e quando eu digo apertado, é apertado mesmo... doeu.

-Miro... acho que estou ficando sem ar.

-Ah, desculpe.

Ele aliviou um pouco e depois me soltou.

-Mas eu ainda não entendi.

-Ângelo, o Crisaor...

-Espera, Crisaor é o guerreiro da água?

-Isso, o que você...

-Ah, tudo bem, continue.

-Ele me atormenta desde... sempre. Ele sempre ganha de mim em treinos e coisas do tipo, além de ter equipamentos melhores, ser maior, etc.

Olhei para o Glaucos e ele acenou a cabeça, como um sinal de confirmação do que o Miro havia dito.

-Desde que eu conheci o Miro, Ângelo, o Crisaor implica com ele.

-E vocês sabem o porquê?

-Não. - disseram em uníssono.

Uma vaga lembrança veio à minha mente naquele momento, a minha primeira impressão com o Miro, a raiva que ele tinha de mim, então era por isso, ele sabia que seria ruim me ter por perto...

Minha cabeça abaixou um pouco, eu não queria ser um problema para eles. Ambos perceberam minha mudança de humor. Para meu azar o momento em que o Miro segurou meu queixo e o levantou, fora o mesmo que a lágrima escolheu para descer do meu rosto.

-Ângelo... o que aconteceu?

-Era por isso que você ficou tão transtornado quando me viu, você não queria que eu fosse mais um motivo para risos...

Era como se o mundo tivesse parado por alguns segundos. Tudo fazia eu me sentir péssimo, acho que meu eterno fardo, no fim das contas, era viver sozinho.

-Sim, meu jovem, este mundo à sua volta não lhe pertence. - disse uma voz na minha cabeça.

-Quem está falando?

-Um amigo.

-E se eu não tiver amigos?

Uma gargalhada ecoou em minha mente.

-Já está no caminho certo.

-Não!!!

Senti um enorme solavanco.

-Ângelo, você tá bem? - a voz do Miro parecia desesperada e ele estava quente, muito quente!

-Estou, mas... você está absurdamente quente.

Olhei para o lado e o Glaucos parecia perdido em pensamentos, só então percebi o porquê. Minha aura estava muito intensa, tanto a de gelo quanto a das trevas, o que me deixou muito confuso. Contive a magia de gelo e reprimi completamente a magia negra. O Glaucos voltou a si e a temperatura do Miro baixou. Coloquei a mão no meu rosto e havia uma pequena gota congelada na minha bochecha, era a minha lágrima?

-Miro... - eu estava ofegando - por favor, me diga o que aconteceu.

-Você disse... sobre quando nos conhecemos e acho que você começou a chorar. Depois disso você parecia não enxergar mais nada e seu corpo ficou meio mole, até que suas auras começaram a ficar muito fortes, principalmente a negra. Foi bastante difícil permanecer aqui. Eu comecei a balançar você, mas demorou um tempo para você reagir.

O Glaucos olhou para mim de uma forma que eu nunca havia visto antes, havia medo em seu olhar, muito medo.

-Glaucos... - as palavras quase não conseguiam sair - eu... sinto muito, eu não quis...

-Tá tudo bem Ângelo - sua voz estava meio distante - não foi nada.

Não era isso que seu rosto indicava, parecia que ele havia passado por uma sessão de tortura psicológica, o que eu não duvidava que pudesse ter acontecido.

-Glaucos, vou fazer você esquecer isso, seja lá o que você tenha visto... mas você vai ter que me ajudar.

Ele me olhou com dúvida no olhar, mas assentiu com a cabeça. Coloquei minhas mãos no rosto dele e me concentrei.

-Entrar.

Coloquei-me dentro da mente dele.

-Glaucos, onde estão suas lembranças?

-Atrás daquela barreira azul.

-E como faço para atravessá-la?

-Não tenha pensamentos negativos.

-Tudo bem...

Não ter pensamentos negativos não era algo fácil depois do que aconteceu, apesar de eu não saber bem o que aconteceu, mas eu tinha que tentar. Limpei minha mente e atravessei a barreira. As lembranças são coisas extremamente bem protegidas nas mentes das pessoas, esta parte da mente tem uma proteção muito forte e é extremamente arriscado tentar entrar sem ser convidado. Ao entrar pude notar uma movimentação de lembranças roxas ao meu lado: eram memórias recentes. Coloquei-as em minhas mãos.

Agora eu estava num palácio branco muito bonito, o Glaucos estava num sofá com outras três pessoas, eram seus familiares. Eles conversavam felizes, até que as paredes começaram a rachar e todos começaram a correr desesperados. O Glaucos conseguiu sair do palácio a tempo, mas os outros não. Ele se ajoelhou e deslumbrou as ruínas que eram, antigamente, sua vida. As lágrimas irromperam de seu rosto... e do meu também.

Saí daquela lembrança, eu ainda a tinha em minhas mãos. Esforcei-me e quebrei a lembrança, a nuvem roxa se desfez e sai da mente dele. O ruim de destruir lembranças ruins dos outros é que você fica com elas pra si.

Ele tinha um olhar um pouco vago, o que era normal, já que eu mexi com a mente dele. Depois de uns 3 segundos ele me olhou com o sorriso bobo dele.

-Ângelo, você me fez algo bom, não é?

Sua voz era quase infantil.

-Acho que sim.

Olhei para o Miro, que ainda estava meio confuso com a situação e disse:

-Eu também não sei o que aconteceu.

-Sobre ontem...

Sua voz estava baixa, o que não era normal nele.

-Não precisa falar nada não, eu vou esquecer isso.

Era mentira.

-Acho que eu tinha pedido pra que não mentisse pra mim.

-Eu vou tentar esquecer...

Não era bem uma mentira, ele só não precisava saber que eu não ia conseguir.

-Acho melhor comermos algo, já tive emoção suficiente para um almoço.

Fui pegando coisas que nunca havia visto na vida, sob a supervisão do Glaucos, que me dizia o que eu podia e o que não podia comer. Devo dizer que ele conhecia culinária muito bem. Comemos tentando esquecer os últimos acontecimentos, apesar de o sorriso no rosto do Miro deixar claro que ele não havia se esquecido do que eu fiz com o Crisaor. Contamos uns aos outros nossos respectivos inícios de aula. Quando o Glaucos estava acabando de falar sobre o monte de coisas que ele vai ter que treinar o sinal soou novamente, precisávamos voltar às salas.

-Encontro vocês na entrada às 18h?

-Ok - disse o Miro, ainda com um sorriso no rosto.

Eu comecei a ficar vermelho, não sei por que, talvez fosse pelo jeito como ele estava me olhando. Ele piscou para mim e foi em direção à sala dele, o Glaucos sorriu e também foi para a sua sala e eu, sem ter outra opção, cansado mentalmente depois de usar tanta magia negra em pouco tempo e envergonhado por esta última cena, também fui para minha sala.

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Prefácio

Marcelo é um espadachim de fogo e seu sonho está muito próximo de se tornar realidade.
Ângelo é um mago de gelo com uma vida prestes a mudar.
Miro é um guerreiro de fogo com sérios problemas com seu rival.
Glaucos é um arqueiro de vento galanteador e de vida fácil.
Cada um deles tem um segredo, os quais estão prestes a serem revelados.

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